Senhor dos Anéis, O: O Retorno do Rei

[rating:5]

Quando escrevi sobre “A Sociedade do Anel”, primeiro capítulo da trilogia do cineasta neozelandês Peter Jackson, cometi uma atitude insensata. Fiz uma aposta. Afirmei que a primeira metade do filme, que ia da abertura no Condado dos hobbits até a saída dos guerreiros do reino anão de Moria, seria o melhor pedaço de toda a trilogia. Eu estava errado. Em “O Retorno do Rei” (Lord of the Ring: The Return of The King, EUA/Nova Zelândia, 2003), há várias seqüências mais impressionantes, mais empolgantes, mais bem feitas e mais emocionantes, sob praticamente qualquer aspecto que se analise.

O principal, contudo, é que o filme (3h21 na versão mais curta) encerra a trilogia com chave de ouro. Agora, está mais do que claro que o trabalho hercúleo do cineasta Peter Jackson, que levou sete anos na produção da trinca de filmes, sairá das telas de cinema diretamente para a galeria das obras que marcaram uma página importante na história do cinema. Isso não quer dizer que o encerramento da trilogia não possui defeitos. Possui, mas eles não importam muito. “O Retorno do Rei” é um verdadeiro épico, com potencial para fazer o espectador sentir frio no estômago, vibrar na cadeira e deixar a sala de projeção com um nó na garganta. E o filme consegue tudo isso valorizando igualmente as atuações, o texto e os efeitos especiais, criando um híbrido que não costuma dar certo, em Hollywood, com muita freqüência.

Do ponto de vista técnico, impressiona a construção cuidadosa do entrelaçamento de histórias do longa-metragem. Nesse sentido, a trilogia foi, gradualmente, sendo complicada. Se a ação de “A Sociedade do Anel” segue um único fio narrativo, “As Duas Torres” quebra esse fio em três partes. “O Retorno do Rei” vai mais longe e divide a história em quatro seções: Frodo (Elijah Wood), Sam (Sean Astin) e Gollum (Andy Serkis) seguem para a montanha da Perdição para destruir o anel; Gandalf (Ian McKellen) e Pippin (Billy Boyd) organizam a defesa da última cidade humana, Minas Tirith, contra as forças de Sauron; Merry (Dominic Monaghan) acompanha os cavaleiros de Rohan numa corrida desenfreada para auxiliar os humanos na grande batalha; e Aragorn (Viggo Mortensen), com Legolas (Orlando Bloom) e Gimli (John Rhys-Davies), tenta recrutar um exército de fantasmas para ajudar na luta em Minas Tirith.

O trabalho de amarrar todo o drama coletivo e, ao mesmo tempo, abrir espaço para as tensões, hesitações e lutas internas de cada indivíduo é admirável. Peter Jackson conseguiu uma proeza. A trilogia inteira tem 114 personagens com falas, e pelo menos duas dezenas deles aparecem na tela com uma complexidade pouco comum em filmes comerciais. No terceiro filme, o foco narrativo está principalmente em Frodo e Aragorn, de cujas decisões depende, basicamente, o destino da humanidade. A evolução da história, contudo, encontra espaço para os dramas particulares de Éowyn (Miranda Otto, uma mulher apaixonada que tem alma de guerreira), de Sam (Sean Astin, o valoroso e cada vez menos estimado jardineiro de Frodo), de Denethor (John Noble, regente do reino de Gondor, última frente que impede a vitória de Sauron, cuja dor pela perda do filho Boromir o vem lentamente enlouquecendo).

Jackson fez tudo isso de modo aparentemente simples. O diretor editou as quatro histórias separadamente, terminando com uma película de 4h30. Depois, começou a fazer cortes e organizar uma audaciosa montagem paralela que dura o filme inteiro. É um trabalho fantástico de edição. Dessa forma, o filme encontra uma arrojada e complexa narração, saltando entre os inúmeros personagens (e entre as várias linhas de narrativa) sem demorar-se exageradamente em cada história – em certo momento, contei nada menos do que oito cenas simultâneas sendo narradas em paralelo! O recurso, extremamente bem usado, impede que o espectador perca o fio da meada, além de imprimir uma agilidade raríssima para um filme tão longo. São 3h21 que, com a exceção dos últimos 20 minutos, passam como um raio, sem dar pausas para o espectador respirar.

Há vários exemplos de criatividade nessa longuíssima montagem paralela. Em certo momento, por exemplo, o monarca de Gondor envia o filho Faramir (David Fenham) em uma missão suicida, pedindo em seguida que Pippin lhe cante uma canção enquanto almoça. Jackson, então, faz o espectador assistir à cena do pelotão de Faramir sendo massacrado, enquanto ouve Pippin entoando uma música triste e recebe flashes de Denethor em close, mastigando ameixas despreocupadamente. O sumo vermelho que lhe escorre da boca faz alusão, claro, ao sangue derramado pelo filho. É uma cena emocionante e que revela muito, sem palavras, sobre a natureza de todos personagens envolvidos.

Como essa, há muitas outras seqüências brilhantes. Um destaque obrigatório vai para a extensa batalha dos campos do Pelennor, travada do lado de fora das muralhas de Minas Tirith. A longuíssima seqüência (mais de 30 minutos) é insana, violentíssima, impressionantemente bem realizada, capaz de fazer a abertura de “O Resgate do Soldado Ryan” parecer um mero ensaio. Trata-se de uma guerra completa, com um exército de centenas de milhares de orcs reforçado por criaturas ainda mais fortes, como trolls, wargs (lobos gigantes), mûmakils (espécies de elefantes maiores e violentos) e os nazgûl alados (dragões ferozes em que voam os Cavaleiros Negros, servos poderosos de Sauron), cercando e destruindo uma cidade em que se encontram alguns milhares de humanos encurralados.

Essa batalha reduz qualquer coisa dos últimos dois “Matrix” a pó. Os efeitos especiais garantem movimentos de câmera impossíveis, coreografias brilhantes (preste atenção da luta que envolve o elfo Legolas, interpretado por Orlando Bloom, e um olifante) e criaturas realmente assustadoras, tudo com um grau de realismo inédito no cinema. O design de produção de Grant Major deixa qualquer um tonto, tamanha a quantidade de detalhes (repare especialmente nas tomadas aéreas da belíssima arquitetura de Minas Tirith). No meio de tudo isso, há uma edição de som maravilhosa, uma trilha sonora fantástica (com dois ou três temas inesquecíveis) e muita, muita emoção, quando os personagens que aprendemos a amar são obrigados a entrar nessa batalha que parece perdida.

Além disso, há muito mais. Há monólogos proferidos com solenidade shakespeariana que, ditos em filmes menos bem cuidados, poderiam provar risadas constrangidas, mas que, em “O Retorno do Rei”, se encaixam à perfeição. Há atuações assombrosas de um elenco nunca menos do que fantástico (nesse capítulo, Sean Astin e Miranda Otto merecem um destaque especial, enquanto os outros exibem a segurança habitual). Só para não dizer que tudo está 100% perfeito, existem dois defeitos. O mais grave é o longo apêndice criado após a conclusão da narrativa principal, que ocupa mais de 20 minutos e, depois da eletrizante e prolongada dose de adrenalina, pode deixar a platéia impaciente. Em alguns momentos, Jackson também parece exagerar na carga de sentimentalismo, distribuindo closes abundantes, em vários momentos do filme, em que os personagens derramam lágrimas em câmera lenta.

Excetuando-se esses pequenos deslizes, Peter Jackson está de parabéns. Inclusive porque, ao contrário de muitos cineastas de Hollywood, ele conseguiu a proeza de criar, com a ajuda dos vários departamentos envolvidos na trilogia (elenco, efeitos especiais, trilha sonora, som, direção de arte), um resultado que vai mais além da mera soma desses itens. O diretor conseguiu imprimir, em cada fotograma, uma sensação de tristeza e perda, muito vívida para qualquer um que leu o livro: o sentimento de que mesmo aqueles que vencem uma guerra precisam sacrificar algo.

Sacrifício é a palavra-chave para descrever a trilogia, algo que é resumido em uma simples e bela frase de Frodo: “Algumas feridas nunca saram”. No final das contas, “O Senhor dos Anéis” é uma tragédia maiúscula, densa e profunda, construída com o melhor que a tecnologia do cinema no início do século XXI pode proporcionar. Um momento cinematográfico desse porte é raro e merece ser comemorado à altura. Acredito que J.R.R. Tolkien bateria palmas de pé. Pelo menos eu faço isso.

O DVD nacional é duplo e segue o padrão estabelecido nos dois primeiros filmes da trilogia. O primeiro disco tem o longa-metragem, com som Dolby Digital Surround EX. O segundo disco reúne três bons documentários, com um total de 95 minutos, que cobre toda a produção. Há ainda seis vinhetas temáticas de 3 minutos cada, dois trailers do filme, um supertrailer da trilogia completa e 14 propagandas de TV. Material de ótimo nível.

– O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (Lord of the Ring: The Return of The King, EUA/Nova Zelândia, 2003)
Direção: Peter Jackson
Elenco: Elijah Wood, Viggo Mortensen, Ian McKellen, Sean Astin
Duração: 201 minutos

4 comentários em “Senhor dos Anéis, O: O Retorno do Rei

  1. Senhor dos Anéis o Retorno do Rei é um marco do cinema, na minha opinião um divisor de águas. Da mesma forma que a primeira trilógia Star Wars revolucionou o cinema, o Senhor dos Aneis consegue fazer melhor. É uma trilogia que é obrigatória para qualquer amante de cinema. Com certeza a melhor série-filme da atualidade, destaque ainda para O Retorno do Rei, simplemeste perfeito!

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  2. na primeira vez que vi ‘o retorno do rei’, tb achei que o final arruinava todo o senso épico do filme.
    mas, na segunda vez percebi que peter jackson (não li o livro) foi maior: evitou o triunfalismo das epopéias terrestres ou espaciais. a guerra é um sacrifício, transforma e transtorna.
    no final, vemos o guerreiro heroico de outras cenas, voltar à vida comum, casar, ter filhos, morar numa vila simples, quase anônimo. o final não foi grande; foi grandioso!

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  3. para mim e o melhor filme, todos eles foi fabuloso.foi um marco para os novos filme em todos aspertos e maravilhoso amei …………………………………….

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