Olhar do Paraíso, Um

[rating: 3]

“Um Olhar do Paraíso” (The Lovely Bones, EUA, 2009) deveria, supostamente, marcar o retorno de Peter Jackson aos filmes pequenos e intimistas, após uma década dirigindo grandes produções lotadas de monstros, criaturas fantásticas e dúzias de personagens movendo-se em histórias paralelas. Se lançarmos um olhar atento para a obra que o neozelandês construiu antes da trilogia “O Senhor dos Anéis”, contudo, veremos que o flerte com tons épicos, efeitos especiais e exageros de estilo sempre fizeram parte de sua personalidade. Confirmada em “Um Olhar do Paraíso”, esta característica responde pelo relativo fracasso criativo do filme de 2009.

Concebido como estudo íntimo de uma personagem adolescente, “Um Olhar do Paraíso” falha na tarefa exatamente por causa da abordagem grandiosa aplicada pelo diretor à adaptação do romance de Alice Sebold. Embora retenha elementos de dois ótimos filmes que Jackson realizou antes da hercúlea tarefa de transpor os calhamaços de J.R.R. Tolkien para o meio audiovisual (“Almas Gêmeas”, de 1994, e “Os Espíritos”, de 1996), a adaptação de “Um Olhar do Paraíso” resultou num filme belo mas frio, espécie de portfólio de luxo de roupas e cenários delirantes pintados via CGI no estilo multicolorido dos anos 1970, mas habitado por personagens que carecem de complexidade e estofo emocional.

A narradora e protagonista do filme é a adolescente Susie Salmon (Saoirse Ronan). Numa abertura narrada e sonorizada de modo idêntico a “Beleza Americana” (1999), a jovem nos informa que foi morta aos 16 anos, no dia 6 de dezembro de 1973. A partir desta revelação inicial, Jackson usa todo o primeiro ato para nos mostrar quem era Susan e como ela morreu, vítima da violência de um vizinho serial killer (Stanley Tucci). Tratava-se de uma menina feliz, cheia de vida, esperta e observadora, que dividia com o pai (Mark Whalberg) a paixão por arte e estava prestes a namorar um colega de escola. Em outras palavras, um primeiro ato correto. É o melhor momento do filme.

A partir da cena da morte – cuja brutalidade é descrita no livro, mas Jackson evita mostrar, preferindo uma saída interessante que mostra Susan circulando entre duas dimensões – o longa-metragem envereda por um caminho irregular. Diante do desaparecimento da filha e sem ter certeza absoluta sobre a morte, a família de Susan desmonta. O pai se lança numa investigação obsessiva, a mãe não agüenta o tranco e foge; a irmã mais nova é a única a desconfiar da identidade do assassino, o que a transforma num alvo em potencial para um ataque futuro. Enquanto isso, a própria garota morta observa tudo de um purgatório, espécie de limbo em CGI ultracolorido onde sofre, se desespera e encontra uma misteriosa garota nipônica (Nikki SooHoo) que se oferece para ajudá-la a superar o trauma e ir para o céu definitivo.

Ao definir esta estrutura narrativa multifacetada, Jackson perde de vista o objetivo inicial de realizar um estudo de personagem. O roteiro, escrito pelo mesmo time de “O Senhor dos Anéis” (o próprio Jackson, a mulher Fran Walsh e Phillipa Boyens), quebra a história em diversas narrativas paralelas: a investigação triste e sem rumo do pai, a paranóia do vizinho assassino, a desconfiança gradual da irmã, a dificuldade de Susan em aceitar seu destino. Para cada uma das histórias paralelas, a equipe de produção desenvolve todo um ambiente e uma atmosfera distintos, num evidente trabalho meticuloso de desenho de produção e fotografia, que acaba se revelando um tanto excessivo. Em cada plano do filme, há tanto o que ver e ouvir que não sobra espaço para o espectador exercitar um mínimo de imaginação.

O mundo onírico de Susan, por exemplo, é todo construído com as cores da roupa que ela usava ao morrer. Para ilustrar a paranóia de George Harvey, o assassino, Jackson abusa de câmera subjetiva e de close-ups extremos que às vezes fazem uma unha, ou uma impressão digital, encher toda a tela do cinema. A casa dos Salmon é atulhada de objetos cênicos espalhados por móveis e paredes. Embora toda essa overdose de elementos visuais seja criada com lógica e coerência narrativa, acaba se tornando um empecilho – uma parede de gelo – que impede a empatia efetiva entre público e personagens, algo absolutamente essencial para um filme assim funcionar.

Essa falta de empatia não é, de maneira alguma, um problema de elenco ou direção de atores. Todos estão muito bem, especialmente Saoirse Ronan (a substituição da vitalidade do primeiro ato pela angústia do segundo é crível) e Stanley Tucci, cuja caracterização transforma o vilão – ironia, talvez? – no personagem mais interessante do filme, um sujeito tímido e retraído com um impulso maníaco para a violência, como um primo distante do inesquecível matador de crianças do clássico expressionista “M – O Vampiro de Dusseldorf” (1931). Whalberg não compromete no papel do pai depressivo, Weisz tem pouquíssimo tempo em cena e Susan Sarandon, no papel da avó da Susan ficcional, é mero desperdício de talento. Sua função narrativa consiste simplesmente em fornecer alívio cômico nas partes mais angustiantes da narrativa.

Talvez o principal defeito do filme seja sintetizado pelo purgatório de CGI construído tão cuidadosamente pelo diretor. Embora consista de uma série de proezas técnicas dignas dos épicos de aventura dirigidos por Jackson, o limbo onde Susan passa a viver parece uma combinação entre o ambiente alienígena visitado por Jodie Foster em “Contato” (1997) e o céu de tinta aquarela que lambuza Robin Williams em “Amor Além da Vida” (1998), devidamente sofisticado com as novas técnicas de computação gráfica do estúdio Weta, de propriedade do próprio diretor. É tudo lindo, as transições entre a ação na Terra e a ação no purgatório são criativas e bem tramadas, mas falta a empatia e o calor humano que se espera de um estudo de personagens.

O filme é ruim? Não, um diretor do calibre de Peter Jackson não seria capaz de cometer um filme realmente ruim. Mas empalicede severamente quando colocado lado a lado dos já citados filmes pequenos do diretor, o excelente drama fantástico “Almas Gêmeas” (que também versava sobre garotas adolescentes e mortes violentas) e a divertida aventura romântica “Os Espíritos”. Os dois filmes combinavam bem a grandiosidade dos efeitos especiais com roteiros mais intimistas, calorosos e irreverentes, algo que Jackson não conseguiu desenvolver aqui. Ainda por cima, o moralismo agressivo do final é elemento novo num filme do diretor neozelandês. Uma pena.

O DVD lançado pela Paramount, simples, não apresenta extras. O filme aparece com boa qualidade de imagem (widescreen anamórfica) e áudio (Dolby Digital 5.1).

– Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, EUA, 2009)
Direção: Peter Jackson
Elenco: Saoirse Ronan, Stanley Tucci, Mark Whalberg, Rachel Weisz
Duração: 125 minutos

19 comentários em “Olhar do Paraíso, Um

  1. Me impressionei com as críticas que tenho visto sobre esse filme, confesso que nunca tive expectativas em relação ao novo trabalho de Peter Jackson. Como respeito profundamente as suas críticas e as do Pablo Villaça, vi que os dois compartilham a mesma opinião, trata-se de um filme fraco. é uma pena já que o o diretor Peter Jackson possui detalhes que me agradam em seus filmes. ótima crítica Rodrigo, parabéns.

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  2. Rodrigo

    Sua crítica traduz bem o que o filme apresenta. Não sei se isso era uma prerrogativa do livro ou foi liberdade de Jackson, mas, para mim, a grande falha do filme é apresentar o pretenso “limbo” como um lugar idílico e maravilhoso, na qual ela brinca com sua amiga e, de vez em quando, vê um pouco do que acontece com sua família.
    Ora, a menina foi estuprada e mutilada por um maníaco. O limbo não deveria ser um lugar tão agradável assim. Falha – e muito – o título nacional nesse ponto. E o final moralista termina por afundar de vez o projeto.
    Peter Jackson, eu sou seu fã, mas não rolou dessa vez.

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  3. Acabei de ver o filme e concordo em muito com alguns pontos de sua critica. Só não ‘posso concordar’ quando você aponta que alguns aspectos contribuem para uma falta de empatia… pra mim, ficou difícil não sentir empatia 😉 pois já tive o livro em mãos.
    Resumindo: chorei muito. Como toda adaptação, não é – nem deve ser -, perfeita, mas gostei de ver os personagens criando vida, as dores da personagem assumindo um rosto, a raiva do assassino ganhando formas.
    E realmente, nas imagens do limbo, senti muito uma mistura dos dois filmes citados.

    ,,
    *

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  4. Mesmo não tendo visto o filme ainda, não aguentei e li tua crítica. Eu simplesmente AMO o livro da Alice Sebold, um dos meus favoritos, e sempre tive medo de uma possível adaptação da obra. Quando soube que o diretor seria Peter Jackson fiquei totalmente animada, mas ele já me decepcionou com a escolha do elenco, uma vez que julgo Rachel Weisz e Mark Wahlberg jovens demais pros papeis de pais de Susie. De qualquer maneira, a única coisa que eu espero é não me decepcionar demais com “Um Olhar do Paraíso”. Mas, fico triste de ver que o resultado do filme não tem sido bom!

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  5. Rodrigo,
    Há apenas um aspecto no seu texto que gostaria de comentar. Você destacou que o final do filme foi marcado por um “moralismo agressivo”, incomum nos filmes de PETER JACKSON. Pois bem. O que percebo na grande maioria dos textos sobre cinema (e em outras manifestações artísticas), é que os críticos torcem o nariz para o que eles intitulam “moralismo” (eles falam geralmente em “falso moralismo”). Parece que é impossível construir uma boa obra artística sem ‘questionar os dogmas do mundo moderno” ou “atacar os valores fundantes da sociedade ocidental” (há outras chavões, mas são todos nessa mesma linha). Assim, fico às vezes a me perguntar: será que uma obra cinematográfica, para ser considerada de qualifidade, não pode flertar com valores ditos “conservadores” como, por exemplo, fidelidade, prudência, resignação, respeito à tradição e à família, etc? Ser “moderno”, ser “cool”, “ser genial”, enfim, só é possível dentro de um contexto de critica e de descontrução do “status quo”? A arte (principalmente a sétima arte) só é válida quando movida por esse viès iconoclasta? Bem sei que são questões complexas que não podem ser discutidas adequadamente neste espaço. Mas fica a provocação para reflexão. Fica também o registro de que só estou levantando essas questões porque sou um admirador do seu trabalho.

    Um abraço.

    Aimar Neres

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  6. O significado da palavra “moralismo”, Aimar, é o seguinte: “Sistema filosófico que defende a primazia exclusiva da moral. Excesso de preocupação com questões de moral, tendendo para a intolerância e o preconceito; puritanismo” (retirado do Dicionário On-line de Português. Atenção, pois, à questão do excesso e do puritanismo”. Ademais, você destacou apenas entre inúmeras características que fazem do filme uma obra menor (minha opinião, claro) dentro da filmografia de Peter Jackson. Se um filme pode ser moralista e bom ao mesmo tempo? Bom, pode; perfeito, não. Porque o moralismo é, por definição, um defeito. Abraços.

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  7. Assisti hoje ao filme e, apesar do Jackson ter mantido a essência central da obra da Alice Sebold, a adaptação dele desvirtua, em grande parte, o livro dela. Aplaudo a tentativa dele de fazer uma transposição independente da obra literária, com uma visão dele, mas senti a falta de algumas subtramas que ficaram de fora e acho que ele errou feio na escolha da maneira como desenvolveu a história da Susie. Eu não consegui me envolver com o que via em tela e olha que eu conhecia a história e sou fã do livro da Sebold como disse antes. Agora, visualmente, o filme é LINDO! Mas, peca pela falta de emoção, pelo desenvolvimento corrido da história.

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  8. Edna, sobre “Preciosa”, acho que não escrevo. Não vi o filme e sinceramente não tenho muita vontade de ver. Tem cara de ser uma daqueles filmes talhados pra ganhar Oscar e desaparecer. Enfim, tenho uma fila enorme de coisas a serem vistas (não apenas para o site, claro) e esse não é um dos filmes que me inspiram a furar fila. 🙂

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  9. Kamila, agora fiquei curioso com as principais mudanças que você viu… o que ele mudou muito do livro para o filme?

    Cita umas duas coisinhas por favor 🙂

    Obrigado!

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  10. ATENÇÃO PARA OS SPOILERS:

    – Jackson suprimiu muita coisa do livro, como Lindsay e Abigail possuem uma importância maior na trama. Susie “vive” muito por Lindsay, ao ver a irmã carregando a família sofrida nas costas, ao mesmo tempo em que ela descobre o amor e o apoio no namorado que, depois, vira marido dela. Já Abigail tem um caso com Len Fenerman, pode se transformar numa “vilã” e isso foi sabiamente evitado pelo Peter Jackson. O afastamento dela da família continuou fazendo sentido sem esse detalhe.

    – O livro terminava quando Ray beijava Susie (no corpo de Ruth) – outra mudança aqui é que o livro explora muito mais a amizade que nasce entre os dois, ao contrário do filme. Jackson, portanto, estendeu a sua história, porque o seu filme vai bem mais além que isso, dá uma conclusão total à história.

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  11. Fiquei decepcionado com P. Jack… com um tema tão forte, com um livro já consagrado, esperava algo inesquecível, emotivo mesmo, mas dessa vez ele ficou devendo, talvez ele tenha que se desgarrar completamente d seu CGI em algum filme para continuar crescendo como diretor… mas ainda o considero um dos melhores no casting e direção de atores.

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  12. adorei mt isso aqui bom mas eu nao entendi mt esse filme
    sabe a parte que ela tava morta
    essa e a parte que eu nao entendi
    ela fazia contato com as outras pessoas do outro lado
    isso que eu nao entendi
    alguem me explica ai pfv

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