King Kong

[rating:4.5]

Uma trágica história de amor impossível, temperada com doses generosas de ação e efeitos especiais de realismo impecável. A receita do neozelandês Peter Jackson para realizar a terceira versão cinematográfica do clássico “King Kong” (EUA/Nova Zelândia, 2005) respeita o material original de 1933, e em linhas gerais conta a mesma história, mas o supera nos detalhes: os personagens têm motivações e sentimentos bem desenvolvidos. Graças a isso, existe uma forte âncora emocional na relação que se estabelece entre o gorila de oito metros e a mulher loira que lhe é oferecida como sacrifício.

É o cerne do longa-metragem, e uma aposta arriscada do homem que surpreendeu o mundo ao faturar 17 Oscar e quase US$ 3 bilhões com a trilogia “O Senhor dos Anéis”. Como fazer a platéia acreditar e, mais difícil ainda, aceitar a relação entre uma garota e um animal gigante? O desafio não é pequeno, mas Jackson o vence utilizando armas imbatíveis: efeitos especiais perfeitos, cenas de ação de tirar o fôlego e muito talento para passear com desenvoltura por gêneros quase impossíveis de misturar num mesmo filme, como o drama romântico e a aventura com toques cômicos. A tarefa é cumprida com tamanho grau de perfeccionismo que o cineasta consegue algo aparentemente impossível: a platéia não torce apenas para que Kong fique vivo no final. Torce para que ele e sua musa fiquem… bem, fiquem juntos, de alguma maneira não-sexual.

O segredo do sucesso está na seqüência mais arrebatadora do longa-metragem, quando Kong enfrenta três tiranossauros, ao mesmo tempo, apenas para proteger a sua amada. O quebra-pau, mostrado com impressionante grau de realismo, termina com a vitória do gorila, ainda que a custo de muito sangue. Aí acontece o momento em que a ficha cai para a atriz Ann Darrow (Naomi Watts). O macaco gigante urra de triunfo, bate no peito e dá as costas para a mulher. Pouco tempo antes, durante uma conversa romântica com o roteirista Jack Driscoll (Adrien Brody), a própria Ann já havia entregado esse comportamento tradicional da espécie masculina. Ann sabe que o macho está fingindo ignorar seu objeto de interesse.

Ann sempre foi, o filme nos ensina, uma mulher solitária e carente. A demonstração heróica de amor, ainda que obviamente impossível de se realizar fisicamente, comove a atriz a tal ponto que ela capitula. Não há diálogos na cena; toda a troca de emoções entre o gorila e a garota é feita através de olhares e pequenos gestos. Trata-se de Peter Jackson recorrendo a um dos mais poderosos arquétipos da mente humana para cativar o espectador. Um ditado popular diz que toda mulher sonha, secretamente, em ver dois machos duelando por ela; pois Ann Darrow acaba de ver um macho arrebentando três dinossauros de uma das mais ferozes espécies, apenas para salvá-la. O que fazer diante de tamanha demonstração de afeição? O que você faria no lugar dela?

Resposta: perder o medo. Kong então a leva para sua morada, de frente para um pôr-do-sol na Ilha da Caveira. A mulher tenta demonstrar seu carinho, fazendo alguns passos de vaudeville e acrobacias de circo, especialidades no seu treinamento teatral. O gorilão urra de deleite. O risco de Peter Jackson, ao mostrar cenas como essa, é muito maior do que simplesmente aborrecer a platéia com o que pode parecer um momento insípido. O problema é que, para mentes pouco refinadas, pode parecer que o cineasta está insinuando algum tipo de aberração sexual entre um humano e um macaco. Claro que não é por aí. Jackson não esconde, em nenhum momento, que a relação entre a mulher e o gorila, a Bela e a Fera, é repleta de tensão sexual. Mas não é preciso ser gênio para saber que que nem sempre (ou quase nunca) esse tipo de tensão inclui desejo. É preciso delicadeza e pulso firme para que uma seqüência como essa não pareça insultuosa ou ridícula, e Peter Jackson passa no teste com louvor.

Com momentos sublimes como esse, “King Kong” representa um passo à frente na carreira do diretor de “O Retorno do Rei”. Como se sabe, um dos poucos defeitos de Jackson como diretor era a excessiva simplificação dos personagens, que careciam de maior desenvolvimento dramático para se tornarem mais humanos. Em “King Kong”, esse problema foi solucionado com tanta destreza que virou o maior trunfo do filme. Kong, o macaco, não é uma mera criatura bestial, como mostrava o filme de 1933; é um ser melancólico e solitário por ser o último sobrevivente de uma espécie. Sua personalidade bate perfeitamente com a de Ann, que Jackson delineia com firmeza durante a primeira hora de exibição. Daí a empatia esmagadora que nasce entre os dois.

Os outros personagens também são igualmente bem trabalhados. O cineasta Carl Denham (Jack Black), que o produtor Merian C. Cooper baseou em si mesmo para a versão de 1933, ganha uma personalidade arrojada e aventureira, bem à maneira de Orson Welles; ele não é um vilão. Assina cheques sem fundo e só pensa em dinheiro, mas não por maldade. É ele que faz a equipe de filmagem embarcar para uma ilha remota da Indonésia, supostamente intocada pelo homem, mentindo a todos sobre o verdadeiro destino. Seu problema é a ambição. Jack Driscoll (Adrian Brody), que no filme original era o imediato do navio, vira roteirista do longa em produção, um escritor de modos tímidos por cujos escritos a atriz Ann Darrow é apaixonada.

Mais uma vez, o jeito de Driscoll é um acerto para os objetivos dramáticos de “King Kong”. Sua fala calma e pausada e o jeito inexperiente com garotas dificultam a aproximação de Ann. Quando finalmente decide declarar sua paixão pela atriz, Driscoll usa a única arma que conhece – a palavra escrita – e se complica. Ann acredita, e diz isso ao pretendente, que ele está fazendo tudo às avessas. O clássico flerte do macho com a fêmea, ela sabe, não se faz com atenção e cortejo, mas com uma ignorância dissimulada, uma maneira blasé de fingir que não está nem aí para ela. É o instinto do macho que o faz agir assim. Aí está: o coração de “King Kong” é o instinto. Peter Jackson gasta toda a primeira hora da história tecendo a teia de personagens e preparando-a (e à ansiosa platéia) para o aparecimento do gorila. Aí o filme engata uma quarta marcha e recorre aos espetaculares efeitos especiais da Weta, a firma que Jackson ajudou a construir na Nova Zelândia.

Para “King Kong”, a empresa construiu dois sets de tirar o fôlego. A Nova York de 1933 foi inteiramente refeita em ambiente digital, uma cidade de 90 mil edificações e 42 quilômetros quadrados 100% virtual, feita no computador. Nesse gigantesco ambiente virtual, Jackson podia manejar a câmera da maneira que bem entendesse, e ele o faz de maneira impecável, em tomadas aéreas impressionantes, durante a terceira hora de projeção, quando o gorila já foi levado à civilização. A seqüência final, quando Kong fica empoleirado no Empire State Building, é de encher os olhos.

O outro set é a selva da Ilha da Caveira, um conjunto de 53 cenários em miniatura repleto de animais exóticos – dinossauros, insetos gigantes, pássaros pré-históricos – criados com softwares de última geração. Aliás, se há defeito na parte técnica do filme, é a alucinante corrida de dinossauros, quando a interação atores X CGI não fica totalmente perfeita. Para contrabalançar, há o próprio Kong, trazido à vida com a mesma tecnologia que deu vida a Gollum, de “O Senhor dos Anéis”. O ator inglês Andy Serkis, que interpretou o gigante através da técnica de captura de movimentos, faz um trabalho excepcional. Kong é, certamente, o mais interessante e complexo personagem do filme que leva seu nome.

Os problemas do filme até existem, mas são menores. O principal é a duração exagerada; uma boa meia hora poderia ser eliminada, talvez com a redução das cenas de aventura da segunda hora de projeção. Outro aparece perto do fim, quando a veia melodramática de Peter Jackson perde o tom e exagera no açúcar em uma única seqüência, que reúne Kong e Ann Darrow em uma locação clássica das comédias românticas baseadas em Nova York: um lago congelado no Central Park, em plena época de Natal. A cena chega a ser constrangedora, e foge completamente do tom realista que domina o filme. Também na representação dos nativos da Ilha da Caveira o diretor exagera um pouco na dose, fazendo-os como uma mistura de zumbis e orcs que são, além de estúpidos, tremendamente feios. Aliás, mostrar os heróis como gente bonita e os outros como horríveis e burros já é uma convenção de Hollywood, coisa que todo mundo faz igual. Os deslizes, no entanto, não atrapalham a excelência do resultado final.

Peter Jackson tem se notabilizado como um diretor que trabalha apaixonadamente, e que possui um talento natural para extrair de seus colaboradores desempenhos extraordinários. Esse dom se reflete, sobretudo, no cuidado com os detalhes. Do design de som – simplesmente fenomenal, um deleite para cinéfilos, especialmente quando a expedição está na selva – à trilha sonora simples e eficaz, da montagem caprichada à direção de arte minuciosa, Jackson é detalhista ao extremo. Esse dado se manifesta inclusive nas cenas de transição e nos personagens menos importantes, como Jimmy (Jamie Bell), o mais jovem membro da tripulação do navio.

Durante a viagem, Jimmy está lendo o romance “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, que trata de uma expedição similar (como curiosidade, o livro inspirou o clássico “Apocalypse Now”). A certo momento, porém, o garoto fica intrigado. Não entende porque a tripulação, no livro, não desiste da missão, quando a situação vai ficando cada vez pior. “Por que eles simplesmente não voltam?”, pergunta ao seu protegido na tripulação, o experiente Hayes (Ewan Parke). “Algumas pessoas precisam ir até o final de seus objetivos. Elas precisam saber”, diz Hayes. As pessoas podem pensar que o diálogo sublinhe o ímpeto aventuresco do produtor Denham. Pode até ser. Mas talvez Peter Jackson estivesse querendo se referir à relação entre Kong e Ann. Quem sabe?

A Universal lançou duas versões do filme em DVD. O disco simples traz uma cópia excelente do filme (com enquadramento 2.35:1, preservado em widescreen anamórfico, e som Dolby Digital 5.1). Como extras, making of de comercial automobilístico apresentando Kong e um curto segmento sobre a Nova York de 1933. A versão dupla tem esse disco e mais um, que concentra três documentários: um longo diário de pós-produção (153 minutos) que documenta, semana a semana, o trabalho de todos os departamentos da produção durante os nove meses de trabalho duro após as filmagens propriamente ditas; um featurette sobre a Ilha da Caveira, na verdade uma piada que inventa um passado ficcional para o lugar (17 minutos); e outro dando informações e imagens de época sobre a Nova York de 1933 (29 minutos). Todo o material tem legendas em português.

A respeito dos extras, você provavelmente vai sentir falta de um documentário mais detalhado sobre o processo de gravação nos sets. Não existe nada, por exemplo, sobre o fantástico trabalho do macaco digital, ou dos sets da Ilha da Caveira e de Nova York. Apesar de não ter sido incluído do pacote, esse material existe: é o DVD duplo intitulado “King Kong Peter Jackson’s Production Diaries”, lançado nos EUA pouco antes da aparição do filme nos cinemas, em dezembro de 2005. São 210 minutos enfocando os 131 dias de filmagem. Infelizmente, esse outro DVD não foi lançado no Brasil.

– King Kong (EUA/Nova Zelândia, 2005)
Direção: Peter Jackson
Elenco: Naomi Watts, Adrien Brody, Jack Black, Andy Serkis
Duração: 188 minutos

3 comentários em “King Kong

  1. É um ótimo filme !!!!! Recomendo !!!!!!!!!!! A melhor parte do filme pra mim é quando um dos tripulantes do navio é comido vivo por uma espécie de sanguessuga gigante cheia de dentes quando eles caem do penhasco !!!!!!!!

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