Promessa, A

[rating:4]

Existem duas fórmulas narrativas para se narrar um filme sobre a ação de um serial killer. A primeira, mais comum, enfoca a investigação dos crimes, estimulando o espectador a tentar descobrir a identidade do assassino. A segunda, menos freqüente mas ainda assim comum, procura mostrar um jogo de gato e rato entre policiais e criminosos. “A Promessa” (The Pledge, EUA, 2001), terceiro longa-metragem dirigido pelo ator Sean Penn, é uma rara produção que evita as duas fórmulas e segue um terceiro caminho, verdadeiramente original. Essa qualidade transforma o que poderia ser um thriller envolvente, mas formulaico, em um drama tocante de dimensões humanas sobre um homem atormentado pelo fantasma de uma promessa feita em uma condição-limite.

Na verdade, “A Promessa” não é um filme sobre a caçada a um serial killer, embora a história tenha exatamente essa base narrativa. A investigação promovida pelo detetive aposentado Jerry Black (Jack Nicholson) funciona mais como uma desculpa para que o diretor Sean Penn, calcado num excelente roteiro de Jerzy Kromolowski e Mary Olson (baseado num romance de ficção de Friedrich Dürrenmatt), desenhe um estudo de personagem fascinante sobre um homem solitário, que busca desesperadamente um motivo para se agarrar à vida.

Em última instância, não é por ser policial que Jerry Black decide investigar por conta própria o assassinato de uma garota de 7 anos, crime considerado resolvido pela polícia. O que o impele é a necessidade de ter algo para fazer depois da aposentadoria. Ele é um homem que, sem uma família ou qualquer outra razão para viver, precisa de um objetivo a que possa se fixar para continuar vivendo, sem definhar. E esse objetivo passa a ser uma promessa feita a uma mulher desconhecida, a quem ele nunca mais verá.

A chave para compreender o significado mais amplo da investigação solitária de Jerry é essa promessa, realizada no dia em que o crime citado acontece. Isso ocorre logo nas primeiras cenas de “A Promessa”. O corpo de uma menina de 7 anos é encontrado no meio da neve. A criança sofreu mutilações e agressões sexuais. Jerry, melancólico, está no último dia de trabalho como detetive; naquela mesma noite, estará aposentado. A notícia sobre a morte da garota chega à polícia durante a festa de despedida dele. E Jerry insiste em comparecer ao local do crime, acabando por ganhar a missão de relatar a morte aos pais das crianças. Nesse momento, o desespero da mãe o comove, e ele jura: custe o que custar, vai apanhar o assassino da menina.

A dívida emocional com a mãe guiará o detetive aposentado pelo restante do filme, ainda que a polícia oficialmente solucione o caso. Ocorre que o corpo da criança foi encontrado por um menino, que viu um índio de cabelos longos na cena do crime. Os detetives investigam e chegam a Toby Jay Wadenah (Benicio Del Toro), um sujeito com histórico de doença mental e uma condenação por haver molestado uma menor. Ele confessa o crime e se suicida em seguida. Mas o instinto (ou seria a busca, meio desesperada, por uma razão de viver?) de Jerry Black lhe diz que o índio não matou a criança, e só confessou por ter sido pressionado.

Ele faz investigações adicionais por conta própria, e obtém indícios de que a criança morta vinha se encontrando com um homem misterioso. Mais: Jerry acredita que o suposto assassino possa ser responsável pelo desaparecimento de outras meninas da região de Nevada (EUA), mortas em condições parecidas, em anos anteriores. Esses indícios são insuficientes, contudo, para manter aberta a investigação. Assim, Jerry se aposenta, mas passa a viver em função da busca por um serial killer que ele não sabe se realmente existe. Compra um posto de gasolina e passa a ficar de olho na movimentação do lugar, em busca de pistas que possam confirmar a existência desse matador. Dizer mais do que isso é estragar as surpresas que o enredo de “A Promessa” reserva ao espectador.

Como não se trata de um thriller comum, e sim de um drama travestido de filme de suspense, o longa-metragem é naturalmente lento. A direção de Sean Penn é muito boa, abrindo espaço para os trabalhos dos atores e sublinhando, com sutileza, a progressiva – e perfeitamente disfarçada – obsessão do detetive aposentado para com a investigação do caso, que cada vez mais afeta sua vida pessoal. Jack Nicholson está particularmente inspirado, na pele de um personagem que lembra bastante o Warren do elogiado “As Confissões de Smith”. Robin Wright-Penn, mulher do diretor, interpreta o papel de uma garçonete que faz amizade com Jerry Black, e também está bem.

O elemento mais polêmico de “A Promessa” é o angustiante final do longa-metragem, que o afasta radicalmente do gênero thriller e recusa qualquer tipo de redenção para o personagem. De certa maneira, é um fechamento até mesmo cruel para a história de Jerry Black, embora seja perfeitamente adequado, além de corajoso e original. O problema é que o caráter aberto e inconclusivo da investigação faz o público, acostumado a soluções claras e definitivas, rejeitar o encerramento de “A Promessa”. Uma pena, pois se trata de um filme pequeno e poderoso, que guarda alguma semelhança com o genial “Sobre Meninos e Lobos”, de Clint Eastwood (e que traz Sean Penn como ator). Uma obra que merece ser redescoberta.

O DVD nacional é um lançamento da Imagem Filmes. É um disco fraco: não tem extras, mutila os enquadramentos originais efetuando cortes laterais na imagem (4:3) e tem áudio em apenas dois canais (Dolby Digital 2.0).

– A Promessa (The Pledge, EUA, 2001)
Direção: Sean Penn
Elenco: Jack Nicholson, Robin Wright-Penn, Aaron Eckarth, Mickey Rourke
Duração: 123 minutos

3 comentários em “Promessa, A

  1. Então, quer dizer que o filme foi feito de uma forma fora do comum, que se utiliza de outros meios para desenvolver e finalizar a historia, por isso, a não solução do caso do fim do filme serve justamente para ocultar o suposto assassino?
    então….
    O diretor jamais teve um assassino em mente? por mais que analisaremos jamais encontraremos o assassino?
    Este filme me intrigou!!! preciso entender. KKKKKKKKKKKK

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  2. É justamente isso! O assassino é o dono da loja de doces (Sr. Oliver) que faz os doces na forma de porco-espinho para agradar às suas vítimas (inocentes crianças assassinadas). Veja que a loja de doce era frequentada pela menina Ginny (assassinada) e era próxima da casa de sua avó.

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