Lista de Schindler, A

[rating:4.5]

Na sua biografia, o cineasta austríaco Billy Wilder faz uma revelação surpreendente. Ele garante que, se tivesse podido escolher qual o último filme que assinaria, teria dirigido “A Lista de Schindler” (Schindler’s List, EUA, 1993). Mas faz uma ressalva: afirma não ter certeza de que conseguiria realizá-lo tão bem quanto Steven Spielberg. Uma afirmação dessas, dita por um dos mais geniais diretores de todos os tempos, pode ajudar a dar a dimensão do grande triunfo de técnica e emoção que é o longa-metragem do diretor de “Tubarão”.

“A Lista de Schindler”, disponível em um DVD duplo de qualidade primorosa, é freqüentemente citado como um filme comercial, feito sob medida para fazer o espectador chorar. Isso não deixa de ser verdade, tanto quanto é verdadeiro que Spielberg tornou-se um especialista em guiar o olhar do espectador exatamente para o ponto que ele gostaria. Ocorre que é impossível negar que “A Lista de Schindler” mexe com algum nervo vital do ser humano. Não chorar, nesse caso, é um ato de lesa-humanidade. O filme poderia emocionar uma pedra, se pedras sentissem emoções. E não há nada de errado nisso.

Spielberg equipara-se a lendas como Alfred Hitchcock e o próprio Wilder na habilidade de compor significado com os diferentes elementos do filme. Os três, na verdade, possuem uma capacidade quase sobrenatural de unir diálogos, movimento de câmera, montagem, cores, atuações, roupas e cenários para fazer o espectador pensar que consegue extrair um significado único, individual, de cada seqüência, quando na verdade ele está descobrindo justamente o que o cineasta deseja que descubra. Isso tem um nome: talento.

O ganhador do Oscar de 1994 conta a história verdadeira e conhecida de Oskar Schindler (um sedutor e imponente Liam Neeson), um comerciante tcheco que se dirigiu à Polônia ocupada pelos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial, para fazer fortuna. Ele conseguiu, mas usou os milhões arrecadados numa arriscada operação para salvar 1.200 judeus condenados à morte pelo regime de Hitler. O filme narra a trajetória de Schindler, intercalando-a com episódios reais vividos por uma série de judeus poloneses nos guetos imundos de Cracóvia.

Spielberg, que é judeu e doou todo o cachê à fundação que coleta depoimentos dos sobreviventes do Holocausto, não queria dirigir o filme. Chegou a oferecer o projeto a Wilder (que escreveu o primeiro tratamento do roteiro, mas já tinha saúde frágil demais para a empreitada) e a Roman Polanski. Esse último recusou a oferta porque acreditava ser impossível dar conta de uma história tão pessoal. Curioso é que Polanski faria depois “O Pianista”, que compartilha muita coisa com “Schindler” e chega a narrar os mesmos episódios, num filme tão bom quanto o antecessor.

O trabalho mostra Spielberg em grande forma técnica e narrativa. No plano técnico, destacam-se a tocante trilha sonora de John Williams e a fotografia em preto-e-branco de Janusz Kaminski, que eliminou o verde dos cenários para tirar os tons cinzentos e conseguir imagens de maior contraste, obtendo um resultado cheio de espaços negros, que resultam tão sombrios quanto espetaculares. A cópia cristalina do DVD garante qualidade perfeita de imagens, assim como uma trilha de áudio em seis canais (formato DTS) excepcional.

A narrativa prescinde de palavras para se afirmar. Spielberg chegou a contratar um roteirista apenas para polir o roteiro final, eliminando diálogos. Ele desejava fazer um filme silencioso, em que as imagens falassem pelos personagens. Conseguiu. Tome como exemplo a linda seqüência de abertura em que o cínico Schindler suborna um garçom para entrar numa boate e iniciar o plano audacioso de cooptar oficiais nazistas para o plano de enriquecer utilizando o trabalho escravo dos judeus. Ela resume o filme: poucas palavras, clima introspectivo, um toque amargo sob a superfície sorridente.

Aos poucos, as elegantes seqüências compostas por longas tomadas e movimentos sutis de câmera vão dando lugar ao grotesco da guerra, quando a câmera passa a vibrar e depois sacolejar, como se fizesse parte de ação. O comandante nazista Amon Goeth (Ralph Fiennes, 13 quilos mais gordo, em bela interpretação) surge aos 51 minutos de projeção, e sua brutalidade psicopata oferece o contraponto perfeito à crescente incredulidade do empresário. Ao contrário da complexa personalidade de Schindler, Goeth é mostrado de forma objetiva, unidimensional: um sádico violento, beberrão e autoritário. “A guerra traz à tona o pior em cada um de nós”, resume Oskar Schindler, na frase mais repleta de significado dos 194 minutos do longa-metragem.

Spielberg apela para as lágrimas do espectador em poucos momentos. A despedida final dos operários na Tchecoslováquia, por exemplo, exagera no tom emotivo. Há também a intrigante menina do vestido vermelho, um dos dois únicos momentos do filme em que a cor aparece (o outro é a chama de uma vela). O que representaria a menina? Talvez a consciência de Schindler, que parece ser o único personagem na tela a perceber que a criança possui algo de diferente e se emociona ao vê-la, nos dois momentos em que ela aparece. Quando ele se emociona, não se engane, a platéia também o faz.

O final do filme tem o impacto de um soco. Os operários sobreviventes caminham para a liberdade, formando uma linha no horizonte que vai se aproximando da câmera. Um corte seco, a imagem ganha cores, e a platéia percebe que está olhando para os verdadeiros sobreviventes. Se você não sentir um nó na garganta, belisque-se. Só para garantir que sangue ainda corre nas suas veias. É aterrador pensar que Israel possa agir com tanta brutalidade com os palestinos após uma experiência tão macabra e irracional.

Como bônus, o DVD ainda oferece um excelente documentário de 77 minutos, chamado “Vozes da Lista”, que apresenta extensas entrevistas com os sobreviventes da lista de Schindler. Eles narram suas histórias pessoais e reconstituem, ponto a ponto, todos os episódios exibidos no filme. Um segundo featurette fala sobre a Fundação Shoah, que entrevista e cataloga depoimentos em vídeo de sobreviventes do Holocausto. Se há algum defeito no DVD, é a ausência de documentários que analisem os fabulosos aspectos técnicos do filme. Mas para isso existe a Internet. Corra atrás.

– A Lista de Schindler (Schindler’s List, EUA, 1993)
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Liam Neeson, Ralph Fiennes, Ben Kingsley
Duração: 194 minutos

5 comentários em “Lista de Schindler, A

  1. Porque as meias estrelas foram instituídas apenas no final de 2008. E, na revisão (e digo isso depois de rever com atenção e cuidado toda a obra de Spielberg), apesar de achá-lo um belíssimo filme, não creio que esteja no mesmo nível impecável de “Tubarão” ou “Jurassic Park”, em termos de construção da narrativa cinematográfica.

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  2. Rodrigo, respeito muito sua opinião, mas este filme de spielberg eu considero um clássico, se o Mestre Billy Wilder teve muitas duvidas se faria melhor, o que dizer mais deste maravilhoso filme.
    Não consegui ver nenhum defeito neste filme, gosto muito do Tubarão, mas a Lista de Schindler eu considero superior. Apenas uma opinião!

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  3. Bom, eu mantenho o que penso. Creio que o Holocausto é um tema tão sensível a Spielberg (que é judeu, e o pai lutou na guerra) quanto a Wilder (fugiu para não ser preso pelos nazistas), e portanto fica fácil para ambos perderem a objetividade do olhar cinematográfico.

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  4. “É aterrador pensar que Israel possa agir com tanta brutalidade com os palestinos após uma experiência tão macabra e irracional.”

    Pois é, o que me impressiona nisto tudo é a rapidez com que os judeus passaram de vítimas a algozes no oriente médio. Já em 1948 promoveram sua própria limpeza étnica, quando passaram por cima do plano de divisão da ONU, para expandir o território judeu e judaizá-lo. Neste processo, várias atrocidades contra palestinos a árabes autóctones foram cometidas pelo estado de Israel. O mundo dá mesmo voltas.

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