Espetacular Homem-Aranha, O

[rating: 3]

A idéia daquilo que se tornaria “O Espetacular Homem-Aranha” (The Amazing Spider-Man, EUA, 2012) começou a martelar a cabeça do produtor e ex-presidente da Marvel, Avi Arad, em 2006. Não se trata de especulação, mas de uma informação confirmada por Arad em várias entrevistas. Considerando que a primeira aparição do herói nos cinemas havia acontecido apenas quatro anos antes, um pergunta inevitável toma forma: por que cargas d’água o homem forte da editora já estava, em tão pouco tempo, planejando contar de novo a origem do Homem-Aranha? Qual a necessidade disso? Afinal, apenas 10 anos depois do primeiro filme de Sam Raimi sobre o herói – “Homem-Aranha”, de 2012 –, somos brindados com um misto de remake e continuação daquele longa-metragem. Um enigma que vale uma reflexão.

Antes de mais nada, é bom estabelecer a base sobre a qual esse raciocínio deve acontecer. “O Espetacular Homem-Aranha” não é um filme ruim. Como de hábito em produções desse tamanho, o título tem ótimos efeitos visuais, interpretações coerentes de um elenco qualificado (Andrew Garfield, jovem que acumulou muita experiência na TV e nos palcos de Londres, é uma escolha particularmente feliz para o papel principal) e algumas das cenas de ação mais interessantes que uma montanha de dinheiro – nada menos que US$ 215 milhões, para ser exato – pode comprar. O que questiono é a necessidade de gastar metade da longa duração da trama (136 minutos) contando de novo a origem do herói.

Sim, o grande problema de “O Espetacular Homem-Aranha” parece estar no roteiro, assinado por Alvin Sargeant (veterano script doctor em Hollywood, que trabalhou nas duas continuações do filme de 2002), Steve Kloves (autor de sete dos oito longas de Harry Potter) e James Vanderbilt (“Zodíaco”). É estranho perceber que três nomes consagrados levaram tanto tempo trabalhando num roteiro que repisa, praticamente cena por cena, toda a primeira metade do “Homem-Aranha” de 2002. Da visita de Peter Parker (Garfield) a um laboratório que faz experiências genéticas ao primeiro confronto com o vilão Lagarto (Rhys Iphans), nascido de experiências parecidas como o Duende Verde do primeiro filme, o título de 2012 repisa a mesma trama: a picada da aranha radioativa, a descoberta desastrada dos poderes, os confrontos com os grandalhões da escola, a primeira paixão, o treinamento-aranha, o figurino-aranha, e por aí adiante.

Claro que nem o diretor Marc Webb (o sobrenome é um convite irresistível ao trocadilho, mas não o farei), nem os produtores e nem os roteiristas mencionam a palavra remake, mas chamar “O Espetacular Homem-Aranha” de reboot também não parece muito honesto. A verdade é que toda a primeira metade do filme refaz a trajetória já bem conhecida por todos os fãs do herói, com pequenas alterações na trama (a inclusão dos pais de Parker conectando-o ao vilão) e principalmente no tom. E se o contexto familiar é um agradável acréscimo, a eliminação do ar cartunesco que era marca registrada da série nos tempos de Sam Raimi cai muito mal ao Homem-Aranha.

Nesse ponto está talvez o equívoco mais grave do longa. Talvez inspirados pelo sucesso do Batman hiper-realista desenhado por Christopher Nolan, os roteiristas deram ao Aranha uma roupagem semelhante. Ocorre que a paleta fria e o tom cinzento (literal e figurativamente falando) dos filmes do Homem-Morcego combinava bem com o soturno e atormentado herói, assim como o humor adolescente e as cores quentes e brilhantes casavam com o herói vibrante e cheio de hormônios que é o Homem-Aranha. Mesmo que o jovem diretor Marc Webb (que fez o elogiado e o romance adolescente pós-moderno “500 Dias com Ela”) tenha dosado a mão nesse tom realista, ainda assim temos uma atmosfera um tanto inadequada a uma história sobre a auto-descoberta de um garoto em idade escolar.

No entanto, nada disso incomoda mais do que a sensação de estar vendo a mesma trama refeita uma década depois por outro diretor – e essa sensação só aumenta durante a primeira hora de projeção. Em que pese esse problema, “O Espetacular Homem-Aranha” finalmente decola quando o Aranha e o Lagarto estão plenamente desenvolvidos. A decisão de manter o réptil gigante como único vilão do filme foi muito acertada, pois dá tempo para desenvolver razoavelmente a caracterização do cientista do mal; os vôos do super-herói sobre os arranha-céus de Manhattan empolgam de verdade (em especial as incríveis tomadas em primeira pessoa, influenciadas pela estética visual dos jogos eletrônicos e certamente ajudando a vender alguns milhões de dólares a mais deles); e o confronto final evita a incômoda sensação de que o herói não está sendo verdadeiramente ameaçado (comum em filmes desse gênero), ao incluir no centro da ação uma ameaça real a um personagem humano importante e, até certo ponto, inesperado. Entre mortos e feridos, salvam-se todos… mas vamos combinar: pelo menos nesse caso, o termo “reboot” fica como sinônimo de “remake” de luxo, OK?

– O Espetacular Homem-Aranha (The Amazing Spider-Man, EUA, 2012)
Direção: Marc Webb
Elenco: Andrew Garfield, Emma Stone, Rhys Ifans, Martin Sheen
Duração: 136 minutos

22 comentários em “Espetacular Homem-Aranha, O

  1. Rodrigo,
    Sinto que a necessidade de ligações entre os personagens lembra muito os problemas que haviam em Homem-Aranha 3, o pai de Parker ligado ao Dr. Connor, que por sua vez está ligada a Gwen e o seu trabalho no laboratório, e por ai vai.

    E as tomadas em primeira pessoa, reforçadas pelo 3D, apenas dão essa sensação impactante, mas não acrescentam sentido a trama.

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  2. Charles, com certeza as tomadas em primeira pessoa não acrescentam à trama. A questão é que se fossem em terceira pessoa também não acrescentariam. Essa é uma decisão estilística do diretor, e acho que o Marc Webb foi bem.

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  3. Rodrigo, eu gostei bem mais desse “O Espetacular Homem-Aranha” do que você. Gostei do tom realista da trama e acho que, por mais que existam paralelos entre a trama desse reboot e do filme de 2002, esse aqui ganha porque eu acho que o roteiro foi feliz em privilegiar o lado dramático da história colocando até mesmo as cenas de ação como uma decorrência dos atos de Peter Parker. Para mim, o mal que ele enfrenta nesse filme é uma consequência dos atos cometidos por ele mesmo.

    Acho que o diretor foi muito feliz na escalação do ator principal, como você bem disse. O Garfield é muito bom! E apreciei muito o fato de que ele deu ênfase a uma história humana, que me cativou e emocionou muitas vezes.

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  4. Fico feliz por você, Kamila. Pra mim, de fato, não é possível colocar os dois filmes lado a lado pra fazer a comparação – não é sequer justo com o longa de 2002, já que esse aqui comete a heresia de repetir pontualmente os destaques de uma trama que já não era lá tão original. Tem uma palavra que descreve esse tipo de operação pra mim, e chama-se “trapaça”. Olhe que eu fui bem generoso! 🙂

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  5. Vi ontem. Fui (até pelo o que vi nos trailers que não me empolgaram muito) achando que veria um filme mediano. Mas achei o filme Espetacular (rsrsrs). Muito bom mesmo. Acho que não podem ficar comparando com o do Raimi, cada um é cada um. Achei divertido, inteligente, bem filmado e muito mais fiel às HQs a Gwen está idêntica, dá a sensação de ser a Gwen “real” das HQs . Nem a origem recontada ficou chata. O Garfield fez um aranha menos “bobo” e mais “ativo” mas ficou legal também. Em suma, achei um filmaço e saí do cinema surpreso. Daria no mínimo 4 estrelas (provavelmente daria 4.5 pois não é perfeito mas quase chega lá).

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  6. Eu acho que essa necessidade de um “reboot” se dá por dois fatores: O primeiro pelo fato dos fãs reclamarem um pouco da infidelidade da primeira trilogia do Aranha com os gibis, tendo em vista a personalidade do héroi nas revistas e no filme.Na primeira trilogia, o Peter Parker era babaca e o Homem-Aranha não contava tantas piadas quanto o da revista e era um tanto sério demais.E o segundo é uma óbvia tentativa de criar uma nova trilogia com o intuito de ganhar mais com o nome do personagem.Na minha opinião o maior problema desse filme é o roteiro,repleto de coincidências(os pais do Peter relacionado com sua origem héroica que estão relacionados com o Lagarto e assim por diante…) e como você mesmo disse saturando a tela com uma história que está totalmente fresca na mente do público.

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  7. E sobre a qualidade do 3D, alguém sabe dizer se vale a pena assistir? Ou se o 2D é suficiente?
    Se for igual aos Vingadores, 2D é mais que suficiente. E aí, como ficou o 3D?

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  8. Obrigado pela resposta, Robson. Escolhi assistir em 2D, e gostei mais deste do que do Homem-Aranha 3, porém prefiro os 2 primeiros de Sam Raimi.

    Rodrigo, gostei da sua crítica. Realmente, essa sensação realista me incomodou na cena da luta deles na escola. Não teve empolgação como em Aranha 2, quando Tobey Maguire recupera os poderes e vai enfrentar o Dr. Octopus no topo de um prédio, aos socos e arremessos de dejetos que vão sendo destruídos.
    Li um pouco dos gibis, e sei que o Aranha não é lá essas coisas de poderoso, mas enfrentar um vilão basicamente apenas soltando teias fica…sem sal.

    Gostei de ver os machucados das lutas, e o Tio Ben do 1º filme é mais ‘tiozão legal’ e próximo do que era nos gibis.

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  9. Só passando para lembrar a todos um exemplo de “reboot” (SEMPRE desconfiem quando essas palavras entram na moda…) decente, que realmente repensa uma franquia sem a necessidade de recontar uma história que já foi contada antes: “X-Men Primeira Classe”. Esse sim, é um filme bacana.

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  10. Rodrigo, concordo, X-Men Primeira Classe é EXCELENTE, um grande filme. Porém nem sei se o vejo como um reboot, sei lá, pois os X-Men tinha como contar uma história anterior a todos os outros filmes, com o Homem-Aranha isso seria impossível.

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  11. Não chega nem aos pés de Sam Raimi, e é totalmente herege aos HQs. Qualquer um que acompanhe os HQs do aracnídeos desde a fase Lee-Ditko, tem nesse filme um festival de gargalhadas. É uma piada de mal gosto.

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