Prometheus

[rating: 2.5]

Prometeu, mas não cumpriu. O trocadilho, além de irresistível, exprime com fidelidade a sensação que fica ao se assistir a ficção científica “Prometheus” (EUA, 2012), de Ridley Scott. Quinto longa-metragem não-oficial da franquia Alien, conhecida por mixar tensão, sangue, filosofia e grandes seqüências de ação dentro de um universo futurista bastante coerente, o filme foi aguardado com expectativa durante uma década inteira, tempo no qual Scott e James Cameron – dois diretores revelados pela série – trocaram idéias que resultaram em um prequel (enredo ambientado antes dos eventos mostrados no filme inaugural, de 1979). O filme chama a atenção pelo excelente trabalho de direção de arte e pelas boas atuações de parte do elenco, mas isso não basta para dissipar a decepção causada pela fragilidade da estrutura narrativa e pela caracterização rasteira dos personagens.

Boa parte dos problemas de “Prometheus” resulta do esqueleto narrativo sobre o qual foram desenvolvidas as ações dramáticas. Uma olhada mais atenta confirma: estruturalmente, o longa-metragem de 2012 é idêntico ao de 1979, com pequenas variações. Os dois filmes estão divididos em três partes mais ou menos iguais. No primeiro ato, uma nave espacial terrestre chega a um planeta com atmosfera semelhante à nossa, enquanto apresenta os tripulantes da nave e desenha a dinâmica entre eles. O segundo ato mostra a tripulação explorando o tal planeta e descobrindo lá uma ameaça alienígena. O terceiro ato, mais claustrofóbico, resolve o dilema em longas seqüências de ação cujo cenário principal é o interior da nave.

Como já se tornou hábito em Hollywood, os personagens encarnam arquétipos mais ou menos estáveis das personalidades de sempre, o que pode ser bom no casos dos melhores filmes de gênero, mas aqui se limita a repisar o óbvio. Se os protagonistas respeitam tradições antigas da franquia (mulheres duronas lideram as equipes e/ou representam a maior esperança da tripulação), os coadjuvantes nunca ultrapassam o clichê do “boi de piranha”: estão ali apenas para dizer alguma frase de impacto ou para morrer em alguma seqüência sangrenta, invariavelmente sonorizada com estrondos e ruídos de baixa freqüência que saturam o subwoofer e os canais surround (aqueles que ficam atrás ou ao lado da platéia). Não há nenhuma novidade nesse departamento, embora não seja justo reclamar dele – todo o trabalho de som, incluindo a música, é feito com competência, embora sem muito brilho.

O único personagem que escapa a essas convenções é o andróide David, claramente uma mistura do HAL-9000 de “2001 – Uma Odisséia no Espaço” (1968) com o replicante louro interpretado por Rutger Hauer em “Blade Runner” (1982). A interpretação do inglês-alemão Michael Fassbender é um dos grandes destaques do filme: ambígua, ligeiramente afetada, sempre com um leve sorriso perturbador no canto da boca, como se o robô soubesse sempre um pouco mais do que os humanos do filme (e do outro lado da tela), o que pode muito bem se revelar uma verdade no terceiro ato.

Noomi Rapace, pegando carona na menina casca grossa que interpretou na versão sueca de “Os Homens que Amavam as Mulheres”, dá conta sem dificuldade da antropóloga Elizabeth, maior responsável pela expedição ao encontrar em pinturas rupestres uma espécie de mapa astrológico que indica aos humanos, no ano de 2092, um planeta distante de onde supostamente vieram os alienígenas que podem (ou não) ter algo a ver com a origem do homem. Apesar da boa escalação desses bons nomes (e de Idris Elba como o capitão da nave Prometheus), Ridley Scott desperdiça Charlize Theron (no papel da rígida e grossa líder da expedição) e mais ainda Guy Pearce, este último irreconhecível sob o peso de grossa maquiagem, como Weyland, o bilionário financiador da viagem – personagem também inspirado em “Blade Runner”. Aliás, é difícil entender o motivo da escalação de Pearce nesse papel, já que ele não aparece de cara limpa em nenhuma cena.

Embora o primeiro ato desperte interesse ao valorizar a discussão filosófica e deixar a ação física em segundo plano – “Prometheus” promete, agora sem trocadilhos, discutir questões milenares que envolvem a raça humana –, o roteiro logo se curva sob o peso dos clichês, que desembocam em um clímax com a indefectível batalha repleta de efeitos especiais. Talvez a cena que melhor sintetize esses clichês seja aquela em que dois membros desgarrados da expedição passam a noite numa caverna sinistra. Ao encontrarem uma cobra extraterrestre que se comporta como uma naja, sibilando sons ameaçadores e encarando-os sem medo, os dois astronautas resolvem simplesmente… BRINCAR com o animal desconhecido. Sim, brincar!! Não é difícil imaginar o final da brincadeira.

O grau de estupidez demonstrado pelo comportamento dos dois coitados quase transforma “Prometheus” numa produção trash de Ed Wood, algo que evidentemente o filme não é. E se isso ainda não te incomoda, caro leitor, que tal ver um determinado personagem enfrentar uma cirurgia abdominal que lhe rasga o ventre de um lado a outro, apenas para que ele saia correndo pelos corredores da nave-título alguns minutos mais tarde? Tudo bem, é no futuro, mas a tecnologia empregada da citada cirurgia (toda mostrada em detalhes) não permitiria a um ser humano normal esse tipo de extravagância física, o que arruína a credibilidade da diegese. Rombos de lógica e de caracterização de personagens, como os dois exemplos citados, se acumulam ao longo de todo o filme.

Por outro lado, com US$ 130 milhões na mão, a equipe de direção de arte de Ridley Scott brilha ao criar incríveis cenários que evocam com coerência os conceitos visuais do artista suíço H.R. Giger, tão bem explorados no primeiro filme da franquia. Infelizmente, o nível do roteiro não acompanha a excelência do trabalho visual, e o escritor Damon Lindelof ainda usa (?) a péssima experiência com pontas soltas adquirida em “Lost” para lançar um monte de perguntas que ficam sem resposta. Em entrevistas, Scott minimizou essas pontas revelando pedaços de um backstory fascinante, cheio de referências à mitologia cristã, mas acontece que muito pouco desse pano de fundo está efetivamente no filme. Ele também justificou as pontas soltas afirmando que estas ilustram o desejo de criar uma continuação. Ou seja, mais uma promessa. Vamos ver se da próxima vez eles cumprem o que prometeram.

– Prometheus (EUA, 2012)
Direção: Ridley Scott
Elenco: Noomi Rapace, Michael Fassbender, Charlize Theron, Guy Pearce
Duração: 124 minutos

20 comentários em “Prometheus

  1. Concordo com você, Rodrigo ( apesar do filme ter 1 ou 2 cenas dignas ) ele não cumpriu. Mas também eu não esperava muita coisa não. O cinema parece que está estagnado e eu já ando com o pé atrás com ele faz tempo.

    Cadê à crítica de “Os Vingadores “, Rodrigo? Ele é tão descartável assim?

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  2. Acho que foi você mesmo que disse uma vez (acho que falando do “A Origem”) que o nível dos roteiros anda tão baixo que qualquer coisa um pouquinho mais elaborada já ganha hype de obra-prima… e talvez o mesmo possa ser dito do nível do discurso filosófico-científico na mídia, o que leva um cineasta, outrora respeitável, a não ter vergonha de admitir que usou Erich Von Daniken como base para um suposto estudo sério sobre a origem da humanidade. A que ponto chegamos…

    Mas sabe o que me chama a atenção? Personagens esteriotipados e situações clichês forçadas estão super presentes em “Aliens – O Resgate” também e parece que ninguém presta atenção nisso. O vilãozinho do filme do James Cameron já aparece com a palavra “traíra” carimbada na testa desde a primera cena e é impressionante a absurda conveniência dos militares enviarem um tenente inesperiente numa missão que envolvia resgate de civis. Assim fica fácil a Ripley ter que assumir o comando quando o roteiro precisa, não?

    Não quero dizer com isso que se deveria fazer vista grossa para os defeitos de Prometheus, mas sim que talvez “Aliens – o Resgate” seja um filme supervalorizado que talvez devesse ter uma avaliação mais severa. Ainda hoje muita gente o considera como o melhor Alien, o que eu acho triste. Na verdade eu ousaria dizer que, entre erros e acertos, Aliens – O Resgate não é tão diferente dos subvalorizados Alien 3 e Alien – A Ressurreição, filmes que cresceram muito no meu conceito quando tive chance de ver as versões extendidas.

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  3. Tudo isso é verdade, Rodrigo (aliás, eu deveria ter mencionado um pouco essa história do “Eram os deuses astronautas”, mas acabei me esquecendo).

    Eu apenas acrescentaria que na década de 1980 as coisas eram um pouquinho diferentes do que são hoje. Clichês ainda não estavam tão surrados (ou não pareciam, pelo menos, já que éramos muito jovens), e a idéia de uma mulher atlética heroína era bastante nova e relativamente ousada, pelo menos para um filme daquele tamanho. Pessoalmente eu também não sou grande fã do filme – nunca sequer escrevi sobre ele – e acho bem inferior ao primeiro.

    Ah, Fernando, ainda quero escrever sobre “Os Vingadores”, mas pra mim é pouco mais do que um blefe. Sinceramente eu preferi “Prometheus” a ele.

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  4. Eu acho que é praticamente inerente ao gênero suspense/terror essa “burrices” por partes dos personagens. Isso não quer dizer nada, não diminui a qualidade do filme. Não se pode conjecturar esses tipos de coisas, afirmando que eles são “burros” “tapados”, já que as pessoas estão em um outro planeta, sob condições climáticas adversas, estão tensas, ansiosas, sob pressão, sem contar que estão prestes a conhecer a origem da humanidade ou seja: todos estão em uma situação limite. Essa situação limite justifica isso que se chama de “jumentice”.
    Assim como uma mãe consegue levantar um muro muito mais pesado para salvar um filho, uma pessoa também pode freak out. Tudo isso justifica-se em razão de estarem em situações limite.
    Contudo, tenho que admitir, com as ressalvas acima ditas, que os dois personagens que dormem na caverna são estúpidos acima do normal.
    .
    Em relação ao comentário sobre o que acontece em seguida ao parto, Shaw aparece a todo momento aplicando em si algum tipo de injeção que pode ser perfeitamento alguma química muito avançada que permite a pessoa aguentar uma forte dor.

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  5. Adriano, somente filmes ruins têm personagens tão estúpidos. Nenhum grande filme mostra personagens cometendo tantas burrices. Sua outra explicação é ainda pior, pois o filme se passa numa época próxima demais à nossa para que seja possível acreditar em uma evolução tão grande das anestesias. Mas volto a dizer: esses são apenas dois exemplos entre muitos. Citei apenas as duas porque elas me irritaram além da conta no cinema, mas esse link aqui (http://www.hitfix.com//motion-captured/prometheus-second-look-digging-deep-into-spoilers-and-questions) explora muitos outros rombos de lógica e caracterização de personagens.

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  6. Sim, Caio, eu desconfiei que ele sem maquiagem deveria estar em alguma(s) cena(s) que acabou(aram) cortada(s) da montagem para o cinema. Provavelmente é um dos motivos pelos quais o Ridley Scott já prometeu uma versão de 20 a 30 minutos mais longa em DVD/Blu-Ray.

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  7. Rodrigo, esta foi a crítica mais acertada acerca de Prometheus que li. A sensação que tive foi de que realmente prometeu, mas não cumpriu. Sai um pouco decepcionado da sala do cinema. Assisti na pré-estréia e fui com uma expectativa alta. Talvez tenha sido isso que me deixou ainda mais frustrado. Aguardei vários anos para ver e conhecer o misterioso space Jockey, e o que eles apresentaram em Prometheus? Nada mais que perguntas soltas… Sou fã da série Lost, porém não precisa ter feito o mesmo no longa de Ridley Scott. O jeito vai ser esperar o segundo filme, e tomara que o Mr. Scott não erre a mão novamente.
    Excelente crítica…

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  8. De fato,o filme tem muitos problemas e os que você citou Rodrigo são realmente irritantes,principalmente o do efeito Lost,mais perguntas e menos respostas.Mas mesmo assim eu gostei do filme.As cenas em que ele faz referência a 2001(o começo do filme mostrando a terra,o David como o HAL 9000 e tripulante numa nave sozinho,se distraindo fazendo exercícios e vendo filmes), o diálogo entre o David e o Charlie na sala de sinuca e a cena da cirurgia são fantásticas,na minha opinião é claro.Acho que daria no mínimo 3 estrelas pra ele…

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  9. AInda estou formando uma opinião sobre o filme, embora me decepcionei, e muito, com a tempestade de clichês. E, como você citou, a cena em que brincam o alien é ridícula, ninguem ficaria com a cara de frente para uma Naja, muito menos para um ser desconhecido. Mas visualmente o filme é fantástico.
    Aliens o Resgate acho fantástico, porém a versão estendida. A versão de semana, com os cortes, ficou “comum”, na estendida ele vai além.

    p.s.: sobre os Vingadores parece que tivemos opiniões diversas, sou mais um que espera pela sua crítica.

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  10. Rodrigo, em primeiro lugar, que bom ler um texto novo aqui! 🙂

    Em segundo lugar, comentando sobre “Prometheus”. Não sou a maior fã de ficção científica e confesso que apreciei mais a parte técnica desse filme do que a história em si. Acho que, por mais que algumas discussões levantadas pelo roteiro sejam interessantes, o filme nunca as aprofunda e, pior, não responde a nada… A sensação é que nós terminamos o filme mais confusos do que começamos.

    No mais, gostei muito da Noomi Rapace e acho que a personagem dela, de uma certa maneira, lembra a Ripley de Sigourney Weaver, especialmente na força e no foco que ela possui.

    Beijos!

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  11. O filme é interessante, mas como bem falado está longe de ser uma obra prima. Acho que o principal problema foi a pretensão dos temas discutidos e um quê incomodamente criacionaista no filme, e cenas como as que Rodrigo citou que não tem como terem passadas desapercebidas por roteiristas como Lindelof e um diretor como Ridley, claramente teve a mão de algum produtor escroto. Ficção Científica de vanguarda e sem furos de roteiros, hoje, não está no cinema e sim na TV com Fringe.

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  12. Rodrigo, tô passando só pra dizer da alegria de ver que a vida acadêmica permitiu uma manifestação do crítico muito bom que vc é. Ótima esta crítica de “Prometheus” ! Só ressaltaria uma nota interessante: no seu 5º parágrafo vc usou o adjetivo “grossa” 3 vezes, sendo em duas delas para caracterizar ‘qualidades’ de personagens femininas. E em ambos os casos sintetizando de modo um tanto simplista traços dessas personagens (sobretudo ao se referir a Lisbeth Salander, de “Os homens que não amavam as mulheres”). Tomara que nas férias do meio do ano sejamos premiados com mais críticas e o CR com mais tempo de seu criador. Grande abraço!

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  13. Andrea, legal seu comentário. Por coincidência passei hoje ali na frente do prédio do tribunal e lembrei de você. Tá sumida, hein?? 🙂

    Quanto à palavra “grossa”, o mais curioso é que os três usos trouxem a palavra em diferentes significados semânticos. A referência a Noomi Rapace (a expressão completa “casca grossa” é uma gíria) me parece bem apropriada a Lisbeth, por sinal…

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  14. Concordo que Prometheus não é aquilo que fui buscar no cinema. Mas também o vejo como um filme que deve ser criticado após uma sequencia e seguida de Alien – o oitavo passageiro. Buscar erros é típico mas o vejo não como o caminho para minhas indefinições pessoais de religião e sim como um filme de entretenimento. Gostei do filme sim. Há falhas? sim, aos montes. Mas ainda prefiro assisti-lo a ver qualquer produção de James Cameron. “Eram os deuses astronautas” por exemplo não deve ser visto como um conto de natal digno de filmes da Disney. Eu o vejo como uma teoria tão importante quanto o criacionismo ou o evolucionismo.

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