Aventuras de Tintim, As

 [rating: 3.5]

Muita gente que viveu a infância em algum ponto de medos do século XX acalentou o sonho de ver as aventuras do jovem repórter Tintim, sucesso europeu nos quadrinhos entre as décadas de 1930 e 1980, na tela grande. No entanto, o cartunista belga Hergé foi teimoso e, enquanto esteve vivo, impediu a venda dos direitos sobre o personagem mais famoso que criou para a indústria cinematográfica norte-americana. Depois que ele morreu, em 1983, cineastas de prestígio iniciaram uma briga surda nos bastidores para tentar adquirir esses direitos. Steven Spielberg venceu a briga, e o resultado é “As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licórnio” (The Adventures of Tintim, EUA, 2011), filme que possui seqüências tecnicamente brilhantes, mas em compensação padece de um ritmo tão frenético e incessante que deixa o espectador com a língua de fora – o esforço de acompanhar tanta correria na tela nos faz até mesmo perder um pouco o fôlego, tantas são as informações visuais, sonoras e narrativas a serem assimiladas de forma simultânea.

De fato, “As Aventuras de Tintim” possui um atrativo extra para quem acompanha cinema de perto, já que marca a primeira parceria entre Spielberg e o neozelandês Peter Jackson (“O Senhor dos Anéis”), que nesse filme assina a produção e a direção de segunda unidade. Jackson, atuando de modo mais ou menos semelhante ao que ocorreu entre Spielberg e George Lucas no seriado Indiana Jones, ajudou o amigo no desenvolvimento da tecnologia de captura de movimento, usada para registrar as ações físicas realizadas pelos atores através de sensores eletrônicos. Numa etapa posterior, esses movimentos foram “cobertos” por animação digital de ponta. Essa tecnologia permite absoluta liberdade de movimentos de câmera m(que existe apenas virtualmente, e por isso pode ser “posicionada” em qualquer lugar da cena). Isso resulta em alguns planos-seqüência deslumbrantes.

Antes de falar desse aspecto técnico, contudo, vale a pena mencionar que o roteiro, escrito por Steven Moffat e burilado num segundo momento pelos cineastas Edgar Wright (“Scott Pilgrim Contra o Mundo”) e Joe Cornish (“Ataque ao Prédio”), reserva pouco ou nenhum espaço para desenvolvimento de personagens. Os protagonistas são apenas rascunhos unidimensionais – o jovem e destemido repórter Tintim, o marinheiro bêbado bonzinho Capitão Haddock, o esperto cão Milo, o ambíguo vilão Sakharine e os detetives Dupont e Dupond – que correm freneticamente de um lado a outro, usando navios, aviões e quaisquer veículos disponíveis para desvendar o mistério do enigma encontrado dentro da miniatura de um galeão do século XVI. Nada de errado com isso, é preciso que se diga. Nos seriados de aventura dos anos 1930, que inspiraram tanto Spielberg quanto Hergé, caracterização era a menor das preocupações dos roteiristas e diretores.

Ocorre que Spielberg, fascinado com a nova tecnologia que seu dinheiro e prestígio permitiram comprar, parece mais interessado na técnica do que no enredo. Além de conceber incríveis planos sem cortes – os dois mais impressionantes envolvem, respectivamente, (1) um cão perseguindo um malfeitor entre escadas, paredes, portas e janelas, e (2) um grupo de vários homens e animais lutando pela posse de três pedaços de papel pelas ruas de uma cidade africana -, Spielberg realiza longas seqüências de perseguição frenéticas (o vôo de avião de Tintim e Haddock, intercalado com uma série de lembranças do passado, ganha o destaque). Além disso, toda a parte técnica do filme é impecável, incluindo a animação, as atuações, a iluminação e o desenho de produção. Tudo é bastante realista e hiper-detalhado, e nesse sentido o longa-metragem se afasta bastante do espírito original do cartum, mais bem-humorado e com um estilo de direção de arte muito mais simples.

Se a realização de “As Aventuras de Tintim” impressiona, o roteiro deixa a desejar. Nem os escritores e nem o diretor foram capazes de contornar uma situação narrativa simples, que consiste na grande quantidade de monólogos expositivos, ditos em voz alta pelo personagem principal. Tintim não para de falar; aliás, exibe os mesmos cacoetes da câmera de Spielberg, que está sempre em movimento e buscando constantemente um ângulo impossível (algo simples de realizar, aqui, por causa da tecnologia de captura de movimentos). A tagarelice de Tintim se une, assim, ao movimentar incessante da câmera e da ação narrativa, que se desloca o tempo inteiro e dá pouco tempo para que a platéia possa assimilar o grande número de acontecimentos e reviravoltas narrativas presentes na trama. Para resumir em uma frase, “As Aventuras de Tintim” é um espetáculo de tecnologia e recursos cênicos, mas contém um excesso de informações visuais e narrativas com o qual parte da platéia pode ter dificuldade de lidar.

– As Aventuras de Tintim – O Segredo do Licorne (The Adventures of Tintim, EUA, 2011)
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Jamie Bell, Andy Serkis, Daniel Craig, Simon Pegg
Duração: 109 minutos

20 comentários em “Aventuras de Tintim, As

  1. Olá Rodrigo. Parabéns pela publicação e pelo “retorno”.
    Estou na torcida para que você possa manter o Cine Repórter mais ativo em 2012.
    Um abraço.

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  2. Olá, Rodrigo, descobri seu site recentemente, e fiquei encantado com a qualidade dos seus textos e o nível de conhecimento sobre a sétima arte. Eu já li muito sobre o tema em livros, revistas e outros tipos de publicações, como a própria internet, e venho percebendo que comentários vazios e redundantes têm se mostrado cada vez mais frequentes. Além do mais, o ecletismo das suas críticas que abarcam tanto filmes atuais, recém lançados nos cinemas mundiais, quanto clássicos da velha Hollywood, por vezes, esquecidos da maioria dos cinéfilos, até os chamados filmes de arte, é impressionante. Parabéns de verdade! Ah, não deixe de se inteirar dos últimos lançamentos em DVD e BD que merecem um ensaio ou crítica, como, por exemplo, Delírio de Loucura, de Nicholas Ray, O segredo da porta fechada, de Fritz Lang, Descontruindo Harry e Tiros na Broadway, de Woody Allen, entre outros.

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  3. Tomei um susto quando vi o Cine Reporter atualizado no meu agregador de Feeds Rss, mas que felicidade corri pra ler na mesma hora e o texto continua bom como sempre e agora com um olhar técnico mais apurado, longa vida ao cine repórter, o site que me fez descobrir muitos bons filmes.

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  4. Rodrigo, que bom ver uma nova crítica no site. Não apenas eu, mas muita gente gosta de suas análises.

    Quanto ao filme, eu ainda não assisti. Não conheço o personagem Tintim, e, depois dessa crítica, sei o que vou encontrar. Estou mais interessado em outros filmes neste ano, como O Hobbit, os reboots do Homem-Aranha e Superman e o esperado Os Vingadores.

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  5. Rodrigo, ainda que janeiro já esteja perto do fim, pergunto se você vai postar sua análise sobre os melhores filmes de 2011. No ano passado, eu assisti poucos, e bons filmes. X-Men 1ª Classe, Hanna e Desconhecido entre os que mais gostei. Melancolia me agradou menos, eu até gosto dos filmes do Trier, e gostei da forma como ele conduziu a mudança psicológica dos personagens. Contudo, a visão dele sobre a vida, no filme, é pobre e previsível, o que acaba não trazendo muitas surpresas.

    Ainda entre os que gostei, estão Sucker Punch (visualmente estonteante, e roteiro um pouco cansativo), Capitão América, e Thor. Não assisti e estou interessado em Super 8, Meia Noite em Paris e Rango. Pra encerrar, quero registrar minha decepção com Biutiful, e agradável surpresa com Ondine (2009).

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  6. Rodrigo, leio vários sites sobre cinema e críticas sobre filmes e considero em minha modesta opinião você o melhor crítico que leio. Suas críticas são sempre muito boas e tento lê-las antes de ir ao cinema. Espero que você possa publicar textos com mais frequência esse ano. Senti falta deles antes de assistir os filmes em 2011. Abraço e continue publicando suas críticas, por favor.

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  7. A parte técnica desse filme, realmente, é muito boa. As cenas de ação, especialmente, foram muito bem feitas. Curiosamente, o roteiro nem me incomodou muito. O que eu achei a pior parte do filme foi a concepção visual dos personagens. Os olhares eram muito inexpressivos, sem vida, emoção. A impressão que eu tinha era a de que eu estava assistindo a um filme do Robert Zemeckis.

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  8. Concordo que poderia ter umas cenas um pouco mais calmas (como no início). Mas eu daria 4 ou 4.5 estrelas sem medo.
    Muito melhor que o último Indiana Jones. Mesmo com seus pouquíssimos defeitos achei Tintin um filmaço.

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  9. Rodrigo, Talvez você possa me esclarecer uma dúvida.
    Fui assistir ao filme na sessão 3D dublada na sala 3 do Shopping Recife e a projeção estava escura, com áudio só frontal , reclamei, mas de nada adiantou. Entretanto o que eu gostaria de saber é por que, nesta mesma sala, a imagem parecia ser grande demais para a tela? Apesar de preencher todo o espaço da mesma, a parte inferior do quadro era projetada abaixo da tela. Caso semelhante aconteceu quando fui assistir Alice 3d, só que acontecia o inverso, a parte superior se perdia.
    OBS:Pelo visto 2012 tá mais movimentado. Espero que você consiga arranjar um tempinho para o blog. Seus textos são excelentes

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  10. Edu, realmente não sei explicar esse problema. Conheço bem a projeção analógica do Multiplex Recife, mas não a projeção digital (que é o caso). Apenas como suposição: o problema do som provavelmente tem relação com o processador de áudio da sala, que não deve ter suportado o formato de som do arquivo do filme (ou estava quebrado, o que dá na mesma), e então transmutou o som para analógico. Quanto à imagem… aí realmente é complicado especular. Uma coisa que eu acho é que os cinemas locais não investem em treinamento o tanto quanto investem em equipamentos. Não adianta ter um super sistema digital se os caras que o operam não entendem do riscado. Sei que o supervisor do Recife é um bom profissional, mas os caras que mexem diariamente nos projetores não sabem o que estão fazendo. Cumprem uma checklist, somente. Se algo der defeito, eles não sabem resolver.

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  11. Concordo com todas as observações técnicas do Rodrigo. Filme bom, ritmo frenético, mas faltou um elemento essencialíssimo, para mim, no filme: emoção. Achei seco. Mas isso não tira a propriedade da produção e direção que o fizeram com maestria.

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