Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2

[rating: 4.5]

Lágrimas. Se “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2” (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, EUA/Reino Unido, 2010) pudesse ser resumido em uma única palavra, esse seria o vocábulo mais adequado. Investindo em tom épico, com batalhas que envolvem centenas de personagens, mortes e reviravoltas surpreendentes, o filme encerra a saga de oito partes de maneira apropriada, oferecendo uma experiência afetiva completa para toda uma geração que cresceu acompanhando Harry (Daniel Radcliffe), Hermione (Emma Watson), Rony (Rupert Grint) e demais personagens do universo fantástico criado por J.K. Rowling.

De fato, não importa que partes da iconografia sombria sejam derivadas de filmes anteriores, ou que rasgos filosóficos que parecem saídos de almanaques de auto-ajuda despontem aqui e ali. Há carne e sangue suficientes em “As Relíquias da Morte – Parte 2” para produzir aquilo que o cinema tem de melhor, que é a forte mobilização emocional da platéia (ou seja, as lágrimas mencionadas estão tanto do lado de lá quanto do lado de cá da tela). Nesse sentido, há um forte paradoxo em ação quando se observa o comportamento da platéia diante do filme. Parte dela tem uma experiência afetiva genuína diante do filme; outra parte, que não se conecta, tende a enxergar um espetáculo derivativo de filmes anteriores. Acontece que “As Relíquias da Morte – Parte 2” não pode – nem merece, na verdade – ser desqualificado sob a rubrica da falta de originalidade, em parte porque o que se está desqualificando, na verdade, é algo tão complexo e indefinível quanto o conjunto de postulados estéticos e afetivos de toda uma geração.

Colocando de outra maneira: em “As Relíquias da Morte – Parte 2” existe algo acontecendo entre o filme e a platéia, algo que não pode ser descartado através de uma argumentação simplista relacionada à suposta qualidade intrínseca ao filme em si. Esse algo indefinível pode ter sido, em parte, fabricado por fatores externos (em especial a blitzkrieg de marketing que envolve a série, e em outros fatores sócio-culturais), mas não há dúvida de que as duas franquias (a literária e a cinematográfica) criaram uma espécie de caixa de ressonância que reúne e amplifica a experiência cultural de uma geração. E o oitavo filme encerra a série com toda a pompa e a circunstância de um evento.

Trata-se de um bom filme, a começar pela grata surpresa que é o diretor. David Yates termina a série como nome que deve ser levado em consideração para qualquer projeto em Hollywood. Em que pese seu elogiado trabalho anterior na televisão britânica (reconhecidamente uma das melhores do planeta), debutar no cinema dirigindo filmes de uma franquia tão visada (como ele fez no quinto filme, “A Ordem da Fênix”), e ainda por cima sucedendo gente graúda como Alfonso Cuarón, Mike Newell e Chris Columbus, não era tarefa fácil. Yates realizou um trabalho de qualidade crescente, encontrando no oitavo filme da série um equilíbrio delicado e interessante entre trama e personagens, entre realidade e fantasia, entre texto e subtexto.

Esse equilíbrio pode ser notado em diferentes níveis sobrepostos. Não há, por exemplo, um destaque exagerado dado a determinados personagens em detrimento de outros (algo claro em outros filmes da franquia). A interpolação entre ação física e exposição verbal, delicada num longa com a escala épica deste aqui, também está bem contemplada (a batalha em Hogwarts não foi esticada além da conta, o que também não ocorreu com o longo flashback envolvendo o professor Severo Snape, cena crucial do longa e essencialmente expositiva). E as imagens em CGI, tão predominantes em filmes de cunho fantástico, abrem espaço constante para a paisagem mais misteriosa e complexa que existe – o rosto humano. O contraste operístico entre tomadas panorâmicas e close-ups fechados é uma técnica conhecida para dosar drama e emoção de maneira operística, e Yates a utiliza com sobriedade e eficiência.

Quando se fala de rostos, torna-se obrigatória também uma menção especial ao elenco, em especial a meninada que atua nos papéis principais. Desde o primeiro filme da franquia, sabia-se que era necessário cercar as crianças de atores experientes e versados no teatro, para contrabalançar as limitações dramatúrgicas naturais da pouca idade. Fazer isso não é particularmente complicado num país com a enorme tradição teatral da Inglaterra, e o casting de qualquer dos oito longas envolvendo Harry Potter confirma a intenção. Em “As Relíquias da Morte – Parte 2”, no entanto, fica fácil ver que todos os jovens (Daniel Radcliffe e Emma Watson em especial) souberam assimilar a extraordinária oportunidade, transformando-se ao longo da série em atores seguros. Neste filme, em particular, ainda é possível destacar Alan Rickman (discreto nas duas partes anteriores) e, evidentemente, Ralph Fiennes, que se esbalda nos jeitos e trejeitos de um vilão de natureza teatral.

Nos aspectos técnicos, o longa-metragem atinge o nível de excelência que se espera de uma produção de grande porte. Há música sinfônica sombria, dissonante e triste, a cargo de Alexandre Desplat; um trabalho integrado de direção de arte e fotografia que destaca o cinza e o preto, algo que contribui decisivamente para a atmosfera de desolação e morte que percorre todo o enredo; um roteiro (Steve Kloves) e uma edição (Mark Day) que condensam a trama e dividem a ação dramática em diversos núcleos de personagens sem perder a coesão. Ecos de “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” (inclusive na maneira como as cenas de batalha são filmadas e editadas, alternando grandes tomadas panorâmicas e planos fechados de rostos, e saltando o foco narrativo entre diversos personagens, em fragmentos de cenas curtas que não chegam a três minutos) e “Matrix Revolutions” (há até uma cena que leva o herói até uma estação de trem tingida de branco e localizada em uma espécie de limbo) confirmam que David Yates buscou inspiração em trilogias de sucesso para finalizar a saga de Harry Potter com propriedade. E… bom, ele conseguiu.

– Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2 (Harry Potter and the Deathly Hallows: Part 2, EUA/Reino Unido, 2010)
Direção: David Yates
Elenco: Daniel Radcliffe, Rupert Grint, Emma Watson, Alan Rickman
Duração: 130 minutos

4 comentários em “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2

  1. Não vi a filme ainda – estou de férias, longe de tudo, no meio do Pantanal – mas AMEI sua crítica. Estou super ansiosa pra ver esse filme. Assisti e li toda a série. Adoro o Harry. JK Rolling teve mesmo uma idéia fascinante. Obrigada por essa crítica maravilhosa.

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  2. O filme me surpreendeu positivamente. Foi preciso sete filmes para eu, finalmente, entender essa série e a essência dela, aquilo que ela tratava em primeiro plano. A execução do David Yates, como diretor, foi simplesmente perfeita, com destaque para o elenco (até os atores jovens, que sempre eram fracos, na minha opinião), para os efeitos visuais (se algum outro filme que não esse ganhar o Oscar 2012 dessa categoria será um roubo) e para a trilha do Alexandre Desplat.

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  3. Concordo plenamente com sua crítica, ainda mais em relação que você falou do público com o filme, assisti a este filme no cinema e os momentos que reforçam isso é: “Quando Bellatrix e Nadine morre- quando Ron e Hermione se beijam, a platéria vem a baixo com gritos e aplausos”.
    Gostei muito do filme mas senti que faltou algo ! Como por exemplo, H.P e a ordem da fênix, com aquele incrível duelo entre os jovens e os comensáis da morte, com um pouco de charme na batalha e o medo dos jovens, “aquela batalha ficou emocionante, no entanto em H.P e a relíqueas da morte, só mostrou um monte de bruxos jogando feitiços para todos os lados, e também prestei atenção que neste último os bruxos não diziam os feitiços, de um lado ficou bom, mas de outro tirou o charme da batalha…”
    De certo J.K Rowling deve ser aplaudida de joelhos, por ter criado algo tão especial.

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