Apenas o Fim

[rating: 3]

O que mais chama a atenção em “Apenas o Fim” (Brasil, 2009) não é o estilo e nem a história. A forma ou o conteúdo do filme em si são relativamente banais, apesar de eventualmente criativos e/ou engraçados. Por um momento, é preciso se esquecer do roteiro, dos personagens, da fotografia, da direção de arte – ou seja, das ferramentas de construção da narrativa em geral – para compreender a importância do filme. Vamos nos concentrar no que existe de mais interessante no primeiro longa-metragem do diretor e roteirista Matheus Souza, que são as condições amadoras de produção.

Ao decidir transformar em filme um roteiro escrito como exercício caseiro de cinefilia, o cineasta carioca tinha 19 anos, nenhuma experiência com cinema e bolso vazio. Em tese, seria uma tarefa impossível. Seria. Graças a um esquema de brodagem cinéfila e disponibilidade de equipamentos digitais mais acessíveis do que as câmeras e gravadores profissionais que se usa normalmente no cinema, o filme se tornou viável. Todo mundo nele trabalhou de graça. Toda a equipe técnica foi formada por estudantes universitários; atores foram recrutados entre os alunos do curso de teatro Tablado, um dos mais tradicionais do Rio de Janeiro; equipamentos, emprestados pela PUC-Rio, cujos professores leram o roteiro e deram sugestões. As gravações aconteceram na mesma universidade, a céu aberto.

Mais importante ainda do que a produção em si foi a conquista de um espaço na disputada rede de distribuição nacional. Sem grana para bancar a produção de cópias analógicas em película – o que possibilitaria que o filme fosse exibido em festivais e, talvez, alguns cinemas comerciais – os produtores investiram na distribuição digital. Graças ao sistema digital denominado Rain (adotado por uma rede alternativa de salas de exibição, e que trabalha com cópias digitais em boa resolução), “Apenas o Fim” ganhou o Brasil. Trata-se do primeiro caso de um filme 100% amador que conseguiu distribuição nacional em todo o território brasileiro. Um caso que promete deixar uma marca legítima de pioneirismo no circuito cinematográfico brasileiro.

Em que pese essas circunstâncias extraordinárias de produção e distribuição, que o tornam um filme realmente especial, “Apenas o Fim” não nega ser o que realmente é – um filme amador, escrito e dirigido por um cineasta com talento para diálogos, mas claramente verde, e que não consegue contornar os problemas de ordem técnica e estética evidentes. Imagine mais ou menos o seguinte cenário: uma refilmagem livre de “Antes do Pôr-do-Sol”, de Richard Linklater, escrito por uma versão alternativa e mais jovem de Kevin Smith, cuja adolescência tivesse acontecido nos anos 1990, e registrado com o equipamento de filmagem de um turista. Essa é uma descrição fiel do resultado obtido por Matheus Souza.

Tecnicamente, óbvio, o filme é pobre. A luz estoura com freqüência no rosto dos atores, e praticamente não há profundidade de campo, o que deixa as composições chapadas e sem senso de volume. O som de algumas tomadas exibe um chiado baixinho e irregular, que às vezes desaparece e outras vezes volta. O roteiro peca por uma vontade juvenil de enfileirar uma penca de referências à cultura pop dos últimos 20 anos, de Vovó Mafalda e Pokemon a “Transformers”, incluindo uma infinidade de citações que parecem retiradas de algum almanaque de nostalgia desses que pululam nas livrarias brasileiras. Aliás, a única função dos flashbacks em preto-e-branco parecem ser mesmo acrescentar ao filme essas tais citações juvenis. Não têm qualquer importância para a narrativa.

O enredo se passa numa única locação (sem contar os tais flashbacks) e em tempo real. Consiste, essencialmente, em uma câmera que acompanha, em longas tomadas de caminhadas interrompidas aqui e acolá por amigos de um ou de outro, um casal de alunos da universidade terminando um namoro. Adriana (Érika Mader) e Antônio (Gregório Duvivier) discutem a relação a partir do instante em que ela anuncia a disposição de largar os estudos e ir embora dentro de uma hora. Curiosamente, em que pese a questão da faixa etária, o longa-metragem tem certa semelhança (inclusive técnica) com “Juventude”, de Domingos de Oliveira, que Matheus Souza cita como influência no pressbook. A diferença é que o trabalho do diretor veterano, lançado em formato digital no mesmo 2009, é infinitamente mais humano.

Em circunstâncias profissionais, esse filme provavelmente não teria sido feito. Porque seriam levados em consideração raciocínios como o público-alvo claramente reduzido – é preciso ter passado a infância nos anos 1990 e possuir alguma afinidade com uma cultura retrô-alternativa – e, claro, a impossibilidade logística de registrar qualquer tipo de ação física dos personagens, que talvez ajudassem a agregar ao todo uma modulação emocional inexistente no produto final (a ação dramática evolui em linha reta, algo fatal para qualquer arte dramática). Considerando a relação custo-benefício, porém, nada disso importa. O que realmente importa é o fato de “Apenas o Fim” ter sido feito e lançado. Isso muda tudo. Para melhor.

O DVD simples da Paris Filmes traz o longa com qualidade decente de imagem (widescreen anamórfica) e áudio (Dolby Digital 2.0).

– Apenas o Fim (Brasil, 2009)
Direção: Matheus Souza
Elenco: Erika Mader, Gregório Duvivier, Nathalia Dill, Marcelo Adnet
Duração: 80 minutos

13 comentários em “Apenas o Fim

  1. Eu adorei esse filme. Achei surpreendente. Apesar do Matheus copiar descaradamente o Richard Linklater, ele mostra ter talento e pode dar trabalho futuramente. Como você sabe da minha paixão pelo Camelo, o final, ao som de “Pois É” me emocionou bastante! 🙂 Adorei a simplicidade, a improvisação e a sensação que o filme me deu de realidade.

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  2. Acho que é bem isso que você falou. Dificilmente, esse filme vai ser a mesma coisa pra quem não cresceu assistindo tartarugas ninjas e teve sua fase boy’s band, band boys boysbands.
    Acho que chega muito perto de tudo que é vivido hoje em dia, os meninos de óculos do avó, camisas do Star Wars e as meninas meio perdidas e que adoram seguir a linha ‘just don’t know what i’m supposed to be’.

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  3. Eu achei o filme muito bom.
    Concordo plenamente com a falta de técnica de algumas tomadas. Mas sabendo da maneira que foi criado o filme, e por quem, são detalhes que passam sem comprometer. Alias, é o roteiro que faz com que o filme vá pra frente.
    Discordo quando voce fala que os flashbacks são apenas uma maneira de evidenciar o conhecimento de cultura pop dos anos 90. Vi em muitas dessa cenas, eu em relacionamentos que tive durante minha vida. Momentos unicos e que passam despercebidos quando o vivemos por os considerarmos banais, mas revistos por uma outra ótica, são aqueles que lembraremos com mais carinho no futuro. Conversas banais de cultura pop, de jogos de video-game…mas com a pessoa em questão, o que realmente importa.
    Enfim, está parecendo desabafo rsrs. Só acho que para quem cresceu nos anos 90, viveu a cultura pop e já passou por um relacionamento, é um filme marcante.

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  4. Pablo, não ficou parecendo um desabafo; é um desabafo. 🙂 E isso não tem nada de errado. De algum modo, esse filme me lembrou um pouco de “Procura-se Amy” e “Alta Fidelidade”, que representaram mais ou menos a mesma coisa para a minha geração. A diferença é que esses dois filmes (especialmente o segundo) integram as citações pop de maneira muito mais orgânica e eficiente à narrativa. É uma questão de qualidade mesmo. Claro, você pode dizer que o diretor é jovem, inexperiente e tem muito a melhorar, o que é fato. Mas também é fato que o filme, graças a esses defeitos, ficou raso como um pires.

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  5. Achei fraco. É aquele negócio: o filme é o que é pelo o que representa e não pelo o que é de fato. O filme não conseguiu atrair a minha atenção. E olhe que eu me encaixo nesse perfil “infância nos anos 1990 e possuir alguma afinidade com uma cultura retrô-alternativa”.
    Que venham mais…

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  6. Muito bom o filme, os detalhes técnicos acho que servem apenas para o deleite dos críticos, pois a considerar que cinema é entretenimento, o filme é perfeito. As referências à cultura pop, ao que me parece, nem sequer “datam’ o filme, pois o tema é universal e atemporal. Achei o desempenho dos atores um destaque no filme, fluência, naturalidade e emoção (somente a cena do choro na porta do banheiro que ficou um pouco “solta” e talvez exagerada. Grande filme.

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