Austrália

[rating:2.5]

Não é uma questão de talento, mas de escala. Alguns diretores nasceram para fazer filmes pequenos, baratos e intimistas; outros só conseguem conceber trabalhos cheios de pompa e circunstância, épicos maiores que a vida. O australiano Baz Luhrmann pertence ao segundo time, um time que conta com autores do naipe de D.W. Griffith, Cecil B. DeMille e David Lean. Desdenhar do romantismo deslavadamente brega e dos inúmeros momentos constrangedores que lotam o quarto longa-metragem assinado por ele, “Austrália” (EUA/Austrália, 2008), é fácil. Mas o que esperar do homem que revestiu de linguagem pop a trama secular de “Romeu e Julieta” (inclusive substituindo o “e” pelo sinal gráfico “+”, como faz a juventude dos tempos do Orkut) e redesenhou o musical para o século XXI, através de colagens sonoras e visuais hipercoloridas, em “Moulin Rouge”?

Lançado exatos sete anos após este último longa-metragem, “Austrália” lembra um cruzamento de “Rio Vermelho” (1948, de Howard Hawks) com “E o Vento Levou” (1939, de Victor Fleming), vitaminado por um perigoso flerte com “Pearl Harbor” (2001, de Michael Bay) e inchado com citações pueris a “O Mágico de Oz” (1939, também de Fleming). OK, detratores podem argumentar que citar o nome de Bay na mesma sentença do mestre Hawks significa cometer sacrilégio contra os deuses da sétima arte, mas o cinema de Baz Luhrmann sempre foi assim. Um cinema impuro, despreocupado de visões pré-concebidas sobre cultura alta/baixa. O mesmo cineasta, não esqueçamos, já misturava David Bowie com Whitney Huston em “Moulin Rouge”. Luhrmann faz cinema popular, cinema para as massas. Expressões como sobriedade, discrição ou mesmo verniz intelectual não constam de seu vocabulário. Um caso clássico de ame-o ou deixe-o.

Dito isso, faz-se necessário ressaltar que “Austrália” está a milhas de distância da criatividade vulcânica (goste-se do estilo ou não) que Luhrmann exibia em trabalhos anteriores. É um filme inteiramente construído sobre uma cama de clichês, tanto narrativos (enredo e personagens) quanto estéticos (cenografia, fotografia, sons). O próprio título do filme já deixa antever a arrogância de um criador que se propõe realizar uma tarefa tão impossível quanto reconstituir, em uma trama simples, toda a complexidade e sutileza do espírito cultural de uma nação. Luhrmann usa, para isso, uma moldura narrativa que remota à Hollywood clássica: uma história de amor impossível, tendo como pano de fundo um evento histórico importante. Boa parte do sucesso de “Titanic” (1997), apenas para citar um exemplo famoso, se deve à utilização dessa fórmula. Para capturar a imaginação das platéias, porém, é preciso mais do que efeitos especiais de ponta, belas paisagens ou beijos apaixonados debaixo de chuva. É preciso um elemento imponderável, um “algo mais” que “Austrália” não parece ter.

O paralelo com “E o Vento Levou”, que não passou despercebido a dezenas de críticos, é bastante óbvio. São muitos os pontos em comum. Vejamos: “Austrália” adota o ponto de vista de uma mulher bonita, à frente de seu tempo, que não leva desaforo para casa; narra um romance em que os dois pombinhos, oriundos de classes sociais diferentes, começam à turras e vão se apaixonando aos poucos; conta essa história com a ajuda de um pano de fundo histórico (aqui, bombardeios japoneses ao país continental durante a II Guerra); propõe este mesmo evento histórico como elemento fundamental do rito de passagem do país, de uma pré-história racista para a contemporaneidade; situa o lar dos personagens em uma fazenda abandonada numa região inóspita; e abusa do luxo – figurinos estonteantes, fotografia repleta de tomadas aéreas do pôr-de-sol – para construir visualmente o enredo.

Do ponto de vista da trama, por outro lado, o filme inspirador é claramente o faroeste épico de Howard Hawks. Os personagens do trabalho de Baz Luhrmann passam a maior parte do tempo às voltas com a mesma jornada desafiadora que John Wayne e Montgomery Clift tinham que cumprir em “Rio Vermelho”: transportar uma manada de 1.500 cabeças de gado, através do sol abrasador do deserto, até uma cidade a centenas de milhas de distância, para então vendê-la e impedir a falência da fazenda. Se um trabalho desses já era complicado para o maior caubói do século XX, que dirá para Sarah (Nicole Kidman), uma fina aristocrata inglesa? Para piorar, ela conta apenas com a ajuda de um punhado de aborígenes inexperientes e de um vaqueiro bronco com físico de halterofilista e coração de manteiga (Hugh Jackman), com quem não consegue trocar duas palavras sem discutir.

Nesta salada narrativa promovida pelo diretor australiano, que inclui um dramalhão desnecessário no terceiro ato (sem qualquer relação com os outros dois), tão bombástico quanto o “Pearl Harbor” de Michael Bay, a história é contada por uma criança órfã e mestiça (Brandon Walters). Esse postulado é seguidamente trapaceado pelos próprios roteiristas, que deixam de lado o ponto de vista sempre que lhes é conveniente, criando inúmeras cenas em que o casal protagonista aparece sem a presença do menino. Sem se importar com esse tipo de purismo, Luhrmann também não tem medo de criar personagens unidimensionais e simplistas, como o vilão Fletcher (David Wenhan), um vaqueiro corrupto que é mau simplesmente por ser mau, sem qualquer razão prática. Não ajuda muito o fato de que Sarah e o Capataz (Jackman) sejam pessoas igualmente anódinas, só que do outro lado do espectro humano: boazinhas e insossas. Preto e branco, sem nuances de cinza.

Essa foi uma armadilha que o produtor David O. Selznick soube sabiamente evitar em “E o Vento Levou”, criando um romance improvável entre dois personagens muito mais interessantes – uma lady orgulhosa e arrogante, e um mercenário com uma ponta de vulgaridade tipicamente masculina. Luhrmann tenta compensar a insipidez dos seus personagens compondo uma quantidade anormalmente generosa de tomadas aéreas e com movimentos de câmera impossíveis. Os efeitos digitais, tão bem utilizados em “Moulin Rouge”, aqui parecem estranhamente sem vida, tão sem textura quanto o rosto sem rugas de Nicole Kidman (o par dela, Hugh Jackman, parece pouco à vontade nas cenas mais apelativas, como uma que o mostra tomando banho sem camisa e com calça, no meio de um acampamento, em momento inacreditavelmente kitsch, daqueles que faz metade do cinema soltar risinhos de constrangimento).

A seqüência do estouro da boiada, supostamente uma das mais emocionantes do filme, exemplifica todos esses defeitos. Acompanhados por uma trilha sonora irritante e óbvia, os bois digitais deixam a cena sem sal, sem gosto, por mais que Lurhmann tente escamotear o problema recorrendo à edição frenética e, nos momentos mais importantes, a imensos close ups de rostos com lágrimas rolando em câmera lenta. Não custa lembrar quão irreal seria esperar, do diretor de “Moulin Rouge”, um filme menos grandiloqüente, menos exagerado, menos kitsch. Nas experiências anteriores, porém, pelo menos havia uma energia criativa palpável que tornava o todo selvagem e intenso, como no caso do musical de 2001. “Austrália”, infelizmente, não tem nada disso. É apenas mais um épico vazio e acomodado.

O DVD da Fox preserva o formato original da imagem (widescreen anamórfico) e o áudio em seis canais (Dolby Digital 5.1).

– Austrália (EUA/Austrália, 2008)
Direção: Baz Luhrmann
Elenco: Hugh Jackman, Nicole Kidman, Brandon Walters, David Wenham
Duração: 165 minutos

10 comentários em “Austrália

  1. ai, achei tu tão cruel com o comentário de, para abafar o romance piegas, enxeu de super movimentos de câmera. acho que a história por si só se vende, mesmo repleta de clichês. e nao consegui ignorar a simpatia do pequeno Nullah e achei o lance de começar pelo ponto de vista dele muito legal.
    o que nao curti muito foram as mudanças de tom, sem necessidade: começa como uma comédia, vai para aventura, depois fica pelo romance, pega o drama e passa por uma ação. sem sal isso.
    e loooonngggoo demais. eu terminava quando os bois fossem entregues. rsrsrs

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  2. Assim como as outras obras do Baz Luhrmann, “Australia” tem alta qualidade técnica, mas o roteiro é uma bagunça só!!!! O filme me deu mais sono do que despertou o interesse em sua história. Além disso, as atuações são muito inconstantes. O único que se salvou, para mim, foi o David Wenham, ótimo como o vilão! No mais, acho que o Baz Luhrmann peca por ser exagerado e grandioso. Ser simples, às vezes, é melhor.

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  3. chato eu nao achei nao, mas que é longo é, viu? a história sobe e desce em curvas dramáticas que mais parecem uma montanha russa. sem contar que a música do Mágico de Oz tocou interminavelmente ,em diferentes mixagens. tudo bem que ela faz uma sintonia perfeita com a mensagem do filme, mas sem necessidade de esgotar, ne?

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  4. É como já falaram acima tanto Baz ,como seu filme “Austrália” não tem meio termo. até por que meio termo é morno e morno agente vomita! Isso é biblíco. Ou vc ama, ou odeia. Confesso que achei o filme longo, mais devido as reviravoltas e mudanças de tom o torna menos cansativo. Tem hora q vc diz: ” se terminasse agora seria perfeito “. Mas, não tem como entender um filme sem antes fazer uma analógia de seu criador. Mesmo que não tivesse seu nome creditado como diretor, de olhos vendados até um cego diria é do Baz. E por favor compara-lo a Pearl Harbor é humilhante, cruel por demais e sem noção de dicernimento. Pois seria negar o que Baz fez dando novo fôlego, embora que exagerando ao gênero praticamente esquecido por Hollywood e pelo cinema em geral. Foi Moulin Rouge sim que deu novo oxigênio ao músical fadado que Hollywood vinha produzindo por elatado e encomenda. Levando 7 (sete) indicações ao Oscar, mesmo sendo ignorado com a indicação de melhor diretor, pois o mesmo não dirigiu e sim orquestrou o filme. E inexplicavelmente sendo um músical , não ter levado indicação a trilha sonora e canção original. E como a academia é covarde e gosta de sentimente de culpa para o ano seguinte dar o famoso Oscar recompensa, Como aconteceu com o Martin Scorsese anos sendo ignorado como diretor pela academia. Onde em um remake que é um trabalho menos seminal, levou pelos os Infiltrados. Foi onde no ano seguinte Chicago sem inovação nenhuma e sem o brilho e glamur que é perpetuado em Moulin Rouge levou o Oscar de melhor filme. Tipo a academia pensou: ” Ah! já ignoramos Moulin Rouge ano passado. Não podemos repetir dois anos seguido com o mesmo genêro, assim vai parecer marcação “. Caros amigos mesmo com tamanhos clichês como foi apontado e até sendo um pouco piegas, gostei sim e muito de Austrália!!! não foi melhor trabalho do Baz desde Moulin Rouge, mas não é seu pior. Pode não ter sido o melhor filme do ano como se esperava, mas longe de ser o pior. E negar a empatia com o pequeno Nullah é não ter sensibilidade nenhuma a flor da pele. E quem não tem teto de vidro que atire a primeira pedra.

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  5. Longo… sim… mas me prendeu muito mais a atenção do que o ‘Benjamin Button’…
    Sem contar que a atuação da Nicole é sensacional!
    Eu amei… é simplesmente uma questão de gosto… ou gosta ou não gosta… tem gente que gosta, tem gente que não gosta… p/ mim, um dos melhores que já vi em toda minha humilde vida! 😀
    valeu a pena ter pagado p assistir!

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  6. Baz tem esse poder de encantar as mulheres com seus filmes, ksksks, o filme é tecnicamente feito como propaganda… é muito gritante, esta estampado: “feito pra oscar”! Mas depois que nos acostumamos com o exagero visual até que dá pra gostar de algumas cenas principalmente as com nullah, tem futuro o pirraia.

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  7. vamos lá
    acabei de ver Austráila em dvd e não o achei nem um pouco cansativo. Gostei do filme, e isso não quer dizer que daria mais do que 7,5 para ele. Gostei mesmo. Acho que as vezes temos um mal humor exagerado com certos filmes. Ok a Nicole ta mal? está sim. O roteiro é simplório e os personagens ou são moçinhos ou são bandidos? sem dualidade de personalidade? Também é verdade. O vilão é caricato e simples? é isso tb. Mas e daí?
    Quantos filmes dos anos 50 e 60 eram exatamente assim? O filme tem muitas qualidades. O garotinho é ótimo e funciona perfeitamente e Hugh Jackman faz a sua parte. Vale a pena ver Austrália. É um belo filme, tecnicamente acima da média e emociona de verdade, apesar de piegas. Vamos lá gente, vamos ter um pouquinho mais de bom humor! Não é um clássico, mais é um filme bem agradável, principalmente em dvd.

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  8. O cinema é algo curioso. A estética kitsch presente em “Romeu + Julieta” e “Moulin Rouge” funciona bem e aliás era a grande sacada dos filmes. Já em “Austrália” é o seu maior defeito. Baz Luhrmann errou feio a mão.

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