Bruno Barreto

Enfrentar uma maratona de entrevistas por telefone é uma tarefa capaz de enlouquecer qualquer um. O cineasta Bruno Barreto, porém, já está acostumado. Ele sabe que a divulgação, embora exaustiva, é parte essencial do sucesso de um longa-metragem. Por isso, o diretor do filme de maior bilheteria do cinema nacional (“Dona Flor e seus Dois Maridos”) dedicou muitas horas ao trabalho de conversar com repórteres e críticos de todo o país, a partir de um hotel em São Paulo, na semana de lançamento de “Última Parada 174” (Brasil, 2008). O trabalho reconstitui a vida de Sandro Barbosa do Nascimento, o sobrevivente do massacre na Igreja da Candelária que, anos depois, seqüestrou os passageiros de um ônibus, no Rio de Janeiro, num caso que acabou em tragédia.

O Cine Repórter conversou com Barreto no fim da maratona. Foram 20 minutos de bate-papo tranqüilo e afável ao telefone. O cineasta é o tipo de entrevistador com que qualquer jornalista simpatiza. Não é muito expansivo e nem lacônico. Quando fala, vai direto ao ponto, sempre recheando os raciocínios com exemplos que esclarecem suas teses. Também não tenta se desviar dos assuntos mais polêmicos. Com franqueza, ele rebateu as críticas de que teria investindo em uma história que não precisava mais ser contada (o episódio do seqüestro rendeu o ótimo documentário “ônibus 174”, de José Padilha, em 2002). De quebra, ainda revelou ter tido diferenças criativas com Fátima Toledo, a preparadora de elencos mais conceituada do Brasil, dispensada do projeto ainda na fase de produção. Abaixo, confira os melhores momentos do bate-papo.

Cine Repórter – Boa tarde, Bruno. Gostaria de te parabenizar pela possibilidade de concorrer ao Oscar e, evidentemente, pelo filme.
Bruno Barreto – Obrigado. Você já viu o filme?

Cine Repórter – Sim, hoje de manhã. Ainda está fresquinho na memória.
Bruno Barreto – Estava boa a projeção aí no Recife? O som estava legal, a imagem nítida? Seria importante uma projeção perfeita, porque a fotografia é tão interessante…

Cine Repórter – Tudo estava ótimo. E já que você comentou, eu vou começar as perguntas a partir daí. Um dos aspectos que mais me chamaram a atenção no filme foi a justamente a forma crua e despojada da fotografia.
Bruno Barreto – A inspiração para a fotografia veio de um livro do fotógrafo baiano Mário Cravo Neto. Logo no início do projeto, o Cláudio Amaral Peixoto (diretor de arte do longa-metragem) me mostrou esse livro. Acho que foi um volume lançado há pouco tempo (provavelmente “Laroye”, de 2000). O Mário Cravo Neto fotografa muito perto do objeto dele, e isso cria uma intimidade muito grande entre a câmera e as pessoas fotografadas. Decidi perseguir este conceito no filme: pôr a câmera sempre muito próxima aos personagens, para capturar melhor o drama, o calor humano daquelas pessoas. Só de vez em quando fazíamos um plano geral, quase sempre usando imagens meio abstratas, para permitir ao espectador respirar.

Cine Repórter – Isso deve ter dificultado o planejamento prévio, não? Você decupou o filme com muito rigor? Usou storyboards?
Bruno Barreto – Muito pouco. Apenas na seqüência do seqüestro ao ônibus. Ali a logística era muito complicada. Era uma filmagem externa, envolvia muitos figurantes. Depois que terminasse, não seria possível voltar para os sets e reencenar, caso eu me deparasse na montagem com algum plano essencial faltando. Para evitar esse tipo de problema, preferi planejar cada tomada. Os storyboards foram necessários. No resto do filme, não usei nada. Queria um resultado mais espontâneo.

Cine Repórter – Você teve a preocupação de repetir os enquadramentos das filmagens captadas no dia do seqüestro, pelas emissoras de TV?
Bruno Barreto – Tivemos esse cuidado. Foi outro aspecto da produção que exigiu planejamento. Na sua projeção, deu para notar que a gente usou câmeras de TV para filmar todas as externas do ônibus?

Cine Repórter – Sim, percebi. Talvez um espectador menos atento não perceba claramente, mas dá para notar a diferença de nitidez na imagem, aquelas linhas entrelaçadas típicas da imagem em vídeo…
Bruno Barreto – O cara percebe inconscientemente que há uma diferença. Minha idéia, naquela cena, foi filmar os acontecimentos em duas bitolas distintas. Dentro do ônibus, na perspectiva do seqüestrador, fizemos em película normal (35 mm), usada durante todo o filme e que dá uma sensação de mais intimidade, uma sensação mais cinematográfica. Fora do ônibus, da perspectiva do público, usamos as câmeras de TV.

Cine Repórter – Quando a seqüência começa, até fiquei na dúvida se eram imagens reais do seqüestro ou se você havia reencenado o acontecimento. Só quando aparecem os atores dá para ver que foi tudo refeito.
Bruno Barreto – Na verdade, as tomadas aéreas e alguns planos gerais foram extraídos das filmagens verdadeiras, feitas pelas equipes de televisão, no dia do seqüestro.

Cine Repórter – A mistura de material ficcional e documental ficou bem feita. Não dá para perceber a diferença. Quando o filme começou a germinar na sua cabeça?
Bruno Barreto – Quando vi o filme do José Padilha (o documentário “Ônibus 174”). Saí do cinema muito impressionado e, também, muito curioso em relação àquela mulher, a mãe do Sandro, que não era a mãe verdadeira. Perguntei ao Padilha quem era ela, porque o filme a mostrava, mas não entrava na história dela, não explicava nada. O Padilha contou. Aí eu vi que dava outro filme. Era uma história ótima. Ela tinha um filho que desapareceu ainda bebê, e a mãe verdadeira do Sandro tinha morrido. Um supriu a carência afetiva do outro. Talvez ele tenha se ligado mais a ela do que o contrário. Ali o filme nasceu para mim.

Cine Repórter – Você não tem medo da comparação entre “Última Parada 174” e “Ônibus 174”, pelo fato de o documentário ter vindo primeiro?
Bruno Barreto – Acho essa comparação absurda. São filmes tão diferentes, completamente diferentes! No documentário, o Padilha desconstruiu aquele evento específico, que foi o seqüestro do ônibus. Minha proposta é outra. Eu queria desconstruir a vida do Sandro, mergulhar no personagem. O documentário é mais abrangente, enquanto meu filme dá um zoom na vida do Sandro.

Cine Repórter – Li muitas críticas que deixavam o filme de lado e falavam que era um projeto desnecessário, porque essa história já tinha sido contada.
Bruno Barreto – Até entendo esse raciocínio, mas quem fala isso não deve ter visto “Última Parada 174” e não tem noção do que seja o filme. Vou te contar um negócio. O próprio Bráulio Mantovani (roteirista do longa) achava que a história já tinha rendido tudo o que podia. Quando eu liguei e convidei para o projeto, ele hesitou. Disse que achava não haver mais nada a acrescentar ao filme do Padilha. Tive que insistir, chamá-lo para almoçar. Conversamos e falei da história da mãe. Aí o Bráulio entendeu a proposta e comprou a idéia. Os dois filmes são muito diferentes. O meu é uma ficção. Criamos nele, por exemplo, a subtrama com o verdadeiro filho daquela mulher, que se torna o melhor amigo do Sandro. Esse personagem não existiu na história real. Nós o criamos como uma projeção do que o Sandro poderia ter sido e não foi.

Cine Repórter – O elenco desconhecido é um ponto forte. Como foi o processo de escalação dos atores?
Bruno Barreto – Fizemos um ano e meio de pesquisa em comunidades, realizamos oficinas com atores amadores. O grupo Nós do Morro (criado por Fernando Meirelles durante a produção de “Cidade de Deus”) foi testado, assim como foram feitos testes em muitas outras comunidades do Rio de Janeiro.

Cine Repórter – Você trabalhou com preparadores de elenco?
Bruno Barreto – Os irmãos Ricardo e Rogério Blat fizeram a preparação do elenco. Eles têm um método muito diferente da Fátima Toledo (que fez “Cidade de Deus” e é reconhecida como uma das profissionais mais bem sucedidas do Brasil). Os irmãos Blat permitem a interferência do diretor no processo de ensaios, o que foi importante, porque eu queria desenvolver o filme junto com os atores. A Fátima não permite o envolvimento do diretor durante a preparação do elenco. Ela entrega os atores já prontos para as filmagens. Não era o que eu queria. Começamos com a Fátima, mas não deu certo. Com os irmãos Blat, funcionou.

Cine Repórter – O ator André Ramiro faz, no filme, o mesmo personagem que interpretou em “Tropa de Elite” (o aspirante Matias). Promover um diálogo entre os dois projetos foi intencional?
Bruno Barreto – Foi coincidência. Quando a gente filmou, “Tropa de Elite” ainda não tinha sido lançado e não existia ainda o fenômeno de público que se criou depois. Mas claro que ter o mesmo ator interpretando o capitão do Bope foi intencional. Afinal, ambos são baseados no mesmo personagem real. O verdadeiro oficial do Bope que comandou as negociações com o Sandro, no seqüestro, é o cara que inspirou o personagem do André Ramiro em “Tropa de Elite”.

Cine Repórter – Você esperava ser indicado pelo Brasil para disputar uma vaga no Oscar de filme estrangeiro?
Bruno Barreto – Sinceramente, não esperava. Fiquei muito honrado, especialmente porque o filme não tinha sido lançado ainda quando foi selecionado. Ninguém sabia se seria sucesso ou fracasso de público. Era um risco que a comissão responsável pela escolha decidiu assumir. Só posso ficar honrado com isso.

Cine Repórter – Dois aspectos do filme que me impressionaram foram os diálogos, bem coloquiais e cheios de palavrões e gírias, e o tratamento cru da sexualidade, especialmente na trama que envolve o protagonista e a namorada prostituta. Gostaria de saber como você trabalhou esses dois aspectos.
Bruno Barreto – O roteiro não tinha diálogos. Durante os ensaios, apresentávamos as situações dramáticas e deixávamos que os atores criassem suas falas. O objetivo era captar a linguagem coloquial mesmo, além de ajudar os atores a se apropriarem dos personagens, viverem aquelas situações, não apenas atuarem. Quanto à sexualidade, apenas filmei tudo da maneira mais verdadeira que consegui. Para esse filme funcionar, tudo tinha que ser verdadeiro, real mesmo. Tinha que ter um aspecto documental. Eu não podia usar nenhum tipo de filtro para capturar isso, ou estragaria tudo.

7 comentários em “Bruno Barreto

  1. Pessoal gostaria de ter um contato com o Bruno Barreto, admiro os filmes que ele faz e dirige.
    Em alguns como Última para 174 as vezes me identifico com alguns personagens, pois tenho experiência de vida. Gostaria de um dia participar de algum filme dele.
    Será que vcs tem o contato dele para poder quem sabe um dia fazer um teste para algum filme dirigido por ele.
    Sou pardo, tenho 39 anos,1,80m, e já vivi muitas coisas na vida bem como policial e fora da lei.
    Cresci no meio da violência no subúrbio de SP zona sul.
    Se conseguisse esta oportunidade agradeceria muito.

    Grato

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  2. Olá! Sou professor do Curso de Administração na ETEC Dr. Emílio Hernandez Aguilar em Franco da Rocha. Nossa escola tem uma parceria com a prefeitura local. Sendo assim, leciono também o curso de Auxiliar Administrativo para o P. E. A. D. (Programa de Ensino Auxílio Desemprego). Esse programa é destinado à pessoas que operam nas Frentes de Trabalho (recebendo 200, 00 reais (duzentos). São pessoas simples e que estão no curso para terem maiores chances de recolocação no Mercado de Trabalho. Apresentei o filme como proposta para discussão sobre ética organizacional. No entanto, as alunas surpreenderam-me com uma análise muito boa do filme e gostaria apenas de repassar o material escrito por elas para a Assessoria do Bruno.
    Agradeço antecipadamente a atenção recebida.

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  3. Eu gostei do trabalho do Bruno Barreto e queria compartilhar uma boa ideia, pelo menos pra mim e pros meus amigos sobre uma nova producao cinematografica em breve

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