Espinha do Diabo, A

[rating:4]

Acalentado durante 16 anos pelo diretor mexicano Guillermo Del Toro, o projeto de “A Espinha do Diabo” (El Espinazo del Diablo, Espanha/México, 2001) não deu sorte na época do lançamento original. A obra chegou aos cinemas quase ao mesmo tempo que outro longa-metragem hispânico de horror: “Os Outros”, de Alejandro Amenábar. Enredo clássico de casa mal-assombrada, o filme de Amenábar aproveitou as vantagens de ser falado em inglês e ter uma estrela (Nicole Kidman) como protagonista. O sucesso alcançado acabou por eclipsar o estranho híbrido de horror sobrenatural com filme de guerra, com implicações políticas, que o mexicano Del Toro ergueu com carinho e nostalgia quase explícitos.

Rascunhado ainda na época em que o diretor era apenas aspirante a cineasta, “A Espinha do Diabo” foi mantido na geladeira por razões puramente comerciais. Ninguém queria produzir uma mistura de gêneros tão estranha. Foi o espanhol Pedro Almodóvar quem, após um encontro informal com o diretor mexicano em um festival de cinema de 1994, se dispôs a quebrar o preconceito. Ainda assim, seriam preciso mais sete anos antes que a história, fortemente baseada em memórias de infância e quadrinhos lidos quando Del Toro era menino, pudesse virar filme. Afinal de contas, a tarefa de produzir um longa de época, cujos gastos com cenários e figurinos costumam ser muito maiores do que o normal, se revelaria bem mais complexa do que o imaginado.

O conto macabro é narrado do ponto de vista de Carlos (Fernando Tielve), um órfão cujo pai acaba de morrer na guerra civil espanhola, durante os anos 1940. Sem saber disso, o garoto é deixado num orfanato em meio ao deserto da Espanha. O lugar, assolado por lendas de fantasmas e tesouros escondidos, fica a um dia de distância da cidade mais próxima, e é utilizado pelos militantes de esquerda como um ponto de apoio na luta contra as tropas do general Franco. Sinistro e desolado, o orfanato é habitado por crianças cujos pais morreram na guerra, e apenas quatro adultos: a diretora mal-humorada e sem uma perna (Marisa Paredes), um poeta cheio de dores de amor (Federico Luppi), o ex-órfão viril que serve de segurança (Eduardo Noriega) e uma jovem bonita que cozinha para todos (Irene Visedo).

Logo no primeiro dia de orfanato, Carlos percebe que as coisas não serão fáceis para ele. O garoto entra em conflito com Jaime, o valentão do lugar, e começa a ter visões de um fantasma. Ao mesmo tempo, também não demora para que ouça outras lendas a respeito do lugar. O orfanato abriga uma bomba não detonada semi-enterrada no pátio, herança dos bombardeios da Segunda Guerra Mundial. Alguns internos acreditam que o fantasma habitante do orfanato chegou junto com a bomba. No mesmo dia em que o artefato foi jogado no pátio, os internos registraram o sumiço de um garoto chamado Santi – e ninguém jamais descobriu o paradeiro do menino. Há ainda a lenda do tesouro, bem como o assustador conteúdo de um jarro de formol no laboratório de química do local. Obviamente, uma investigação amadora conduzida aos trancos e barrancos por Carlos vai dar conta de todas essas lendas, ligando-as de maneira inteligente.

Projeto-irmão da elogiadíssima fantasia gótica de guerra “O Labirinto do Fauno” (2006), o filme de Guillermo Del Toro tem muitas qualidades. Uma delas está na criação quase artesanal do excelente visual, com uma direção de arte criteriosa, uma fotografia calcada no uso de sombras e tons de terra, e um design simples e inventivo do fantasma-mirim – um vulto aterrorizante, com face branca e olhos negros, de cujo crânio escorre espirra sangue em espiral, suavemente, como se o fantasma estivesse dentro da água. Este detalhe, aliás, se revela posteriormente uma bela sacada narrativa. O visual do fantasma, como Del Toro assume, foi inspirado nas histórias de horror japonesas, mas leva a idéia essencial a um patamar original.

O maior defeito é o desequilíbrio evidente entre as duas partes da narrativa. Del Toro consegue imprimir um ritmo instigante à investigação empreendida pelo menino Carlos, com diversos sustos bem aplicados. Assim, enquanto o filme é narrado do ponto de vista da criança, o desenvolvimento é correto; já quando a narrativa se desloca para o mundo adulto, explorando mais os temas políticos, o nível cai bastante – os dramas dos personagens são unidimensionais, simplistas em excesso. Este defeito seria devidamente corrigido para o que Del Toro chamou de “contraparte feminina” do projeto, em “O Labirinto do Fauno”. Ainda assim, os dois filmes se beneficiam das inúmeras semelhanças, e crescem bastante quando exibidos lado a lado.

O longa não foi lançado no Brasil em DVD, embora possa ser encontrado em VHS. O disco disponível na Região 1 (EUA) é bom, tendo qualidade OK de imagem (widescreen 1.85:1 anamórfica) e áudio (Dolby Digital 5.1), comentário em áudio do diretor e um making of, além de galeria comparativa de storyboards e imagens do longa finalizado.

– A Espinha do Diabo (El Espinazo del Diablo, Espanha/México, 2001)
Direção: Guillermo del Toro
Elenco: Marisa Paredes, Eduardo Noriega, Federico Luppi, Fernando Tielve
Duração: 106 minutos

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