Cinema Paradiso

[rating:5]

Melodrama no mais puro sentido da palavra, “Cinema Paradiso” (Nuovo Cinema Paradiso, Itália/França, 1989) é o cartão de visita do realizador italiano mais bem sucedido após a clássica geração de Fellini e Antonioni. Giuseppe Tornatore despontou para uma carreira internacional de fôlego com o esmagador sucesso da nostálgica e agradável coleção de lembranças de um fictício cineasta consagrado, em 1989. “Cinema Paradiso” ganhou o prêmio especial do júri em Cannes, o Globo de Ouro e o Oscar de melhor filme estrangeiro. Também arrastou filas aos cinemas e recebeu odes apaixonadas de integrantes da comunidade cinematográfica internacional.

Um filme banal, de rotina, dificilmente conseguiria tamanho sucesso de público e crítica se não contivesse algo de especial. “Cinema Paradiso” consegue, com sua pureza e seu espírito nostálgico, uma proeza: é, ao mesmo tempo, uma celebração da vida e do cinema. São poucos os cineastas que conseguiram, como Tornatore, inserir em um enredo fictício uma quantidade tão grande de lembranças pessoais, algumas delas dolorosas, com tamanho senso de humor. O filme italiano lida às vezes com temas pouco confortáveis, como a relação entre mãe e filho contaminada por egoísmo, de forma leve e límpida. É um melodrama capaz de deixar uma platéia inteira de olhos marejados. Não são lágrimas, contudo, de amargura ou tristeza. Trata-se daquele choro que a gente sofre quando todas as nossas defesas são desarmadas. Quando a nossa couraça é quebrada com pureza e amor.

Claro que existe, no filme de Tornatore, a visão parnasiana de um mundo idílico e inocente, associada à vida rural, que predomina em certos cineastas europeus, para quem a cidade grande é vista como uma espécie de antro do pecado. Essa metáfora é especialmente eficaz para os filmes italianos, sempre impregnados de um quase inconsciente sentimento de culpa cristã, natural no maior país católico do continente europeu. Há algo dos últimos filmes de Fellini no cinema de Tornatore. “Cinema Paradiso” tem grande semelhança com “Amarcord”, o clássico do grande diretor europeu, pois lida com a mesma nostalgia da infância e celebra os mesmos tipos humanos pitorescos que predominam nas pequenas cidades mediterrâneas que ambas as obras têm como cenário.

“Cinema Paradiso” é uma grande narrativa em flashback. O filme começa quando um cineasta de sucesso é acordado, em Roma, por um inesperado telefonema da mãe (Pupella Maggio). A mulher deseja avisar o filho sobre a morte de Alfredo (Philippe Noiret). O homem toma um choque. O filme vira, então, uma coleção de memórias de infância, disparadas após esse choque. A ação retorna então à segunda metade dos anos 1940, logo após a Segunda Guerra, quando as pequenas cidades européias ainda não tinham televisão e a grande diversão da comunidade era mesmo o cinema. O cineasta, Salvatore (Salvatore Cascio), era um garotinho apaixonado por cinema. Dia após dia, noite após noite, ele visitava o velho projecionista do lugar, exatamente Alfredo (Noiret), para assistir, encantado, aos musicais e comédias hollywoodianos que os vizinhos se reuniam para ver.

As sessões de cinema emulam a realidade européia de maneira engraçada e nostálgica, como uma celebração profana de tom religioso; Salvatore era o pequeno espectador privilegiado que amava cada minuto daquilo. Alfredo foi a porta de entrada da criança no mundo do cinema. “Cinema Paradiso” é uma declaração de amor ao cinema como arte de apreciação coletiva. O filme denuncia a mercantilização da atividade cinematográfica (o cinema envelhece e fica vazio) e parece culpar a cidade grande por isso. É lá, na metrópole, onde os habitantes levam vidas solitárias e não têm tempo para reviver as próprias memórias, que o menina vira homem. Antes, porém, Totó cresce, amadurece e vive uma grande paixão platônica. Só que precisa sair do vilarejo para tornar realidade seu sonho de fazer filmes. Tornatore não afirma, mas deixa escapar que ficou uma ponta de arrependimento por ter feito caminho semelhante, na vida real.

Quem gosta de se emocionar assistindo a filmes tem em “Cinema Paradiso” um prato cheio. A seqüência final, que flagra o velho cineasta caindo no choro dentro de um cinema, ao ver um filme que Alfredo deixou para ele, deixa muito macaco velho tentando esconder os olhos marejados. A belíssima trilha sonora do mestre Ennio Morricone dá a facada final; poucas vezes o cinema italiano foi tão emocional e pungente. A partir de um certo momento, a platéia simplesmente não consegue mais pensar racionalmente sobre o longa-metragem. As lágrimas não deixam mais. “Cinema Paradiso” é daqueles filmes que têm que ser sentidos com o coração, não com a mente.

A Versátil lançou duas vezes a obra no Brasil, em DVDs bem diferentes. A primeira edição tem trilha de áudio Dolby Digital 2.0 e imagem widescreen 1.66:1, no formato original, sem material extra. Na segunda vez, o áudio foi substituído por uma trilha de seis canais (DD 5.1), e o disco ganhou documentário, comentário em áudio de Giuseppe Tornatore, entrevistas de diretor e elenco, e mais um depoimento em vídeo do crítico Rubens Ewald Filho.

Há ainda uma terceira versão, com um corte mais longo, chamada Edição Estendida (o filme ganha 47 minutos a mais); esta também tem imagem wide 1.66:1 e som DD 5.1, mas não possui nenhum extra, a não ser depoimento do crítico Rubens Ewald Filho. Uma caixa reunindo as versões original e estendida também está disponível. Em todas as versões, não deixa de ver os créditos até o final, pois há uma surpresa escondida esperando por você: o destino final do amor platônico de Totó.

– Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, Itália/França, 1989)
Direção: Giuseppe Tornatore
Elenco: Philippe Noiret, Salvatore Cascio, Jacques Perrin, Marco Leonardi
Duração: 123 minutos

4 comentários em “Cinema Paradiso

  1. Sublime. De vez em quando, acontece dessas coisas: um filme que comove do começo ao fim, no início pelo rosto apaixonado do menino Totó e pela bela alma do projetcionista Alfredo, que vai se gravando em nossa memória afetiva de modo decisivo; no meio, pela inocência de um primeiro amor que vai se revelar impossível; no fim, pelo tom elegíaco do funeral de Alfredo e da implosão do Paradiso. Há de tudo no filme, desde as mulheres Penélopes (teria sido casual a citação do filme “Ulisses”?) à aridez da maturidade de Salvatore, quando já não há mais senão fantasmas. O cineasta vivido Perrin fala pouco, o filme fala mais que ele, o tempo pareceu ter-lhe esvaziado por completo, e ele é como o filme – passado em estado puro, nada ou quase nada lhe restou para o presente (nem uma mulher que o ame de verdade, como observa a mãe). A música de Morricone é um prodígio. As cenas que evocam “Amarcord”, perfeitas. Cinema do melhor, em puro estado de graça…

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  2. Fantástico! Como não se emocionar com uma obra dessa, a amizade do Alfredo com Totó parece ser sentimentos de outras gerações, sem o menor interesse.
    Um filme com um enredo bem feito,uma ótima fotografia, e uma trilha sonora fantástica.Isto sim é cinema!

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