Cronos

[rating:3.5]

A simples menção da existência de um filme cuja trama mistura vampirismo com alquimia tem potencial para deixar admiradores de filmes de horror salivando. O diretor mexicano Guillermo del Toro sabe disso e escolheu exatamente esse tema para marcas sua estréia na indústria cinematográfica. Ele fez “Cronos” (México, 1993) com um orçamento minúsculo e apenas um ator razoavelmente conhecido (Ron Perlman). O produto final, com senso de humor bem peculiar e visual bem cuidado, não foi um sucesso de público, mas agradou às pessoas certas e permitiu ao futuro diretor de “Hellboy” o ingresso no clube fechado de Hollywood.

“Cronos” funciona como uma nova interpretação do mito do vampiro, mais moderna e menos sobrenatural. A tese do diretor mexicano, expressa num interessante prólogo, diz respeito ao trabalho de um misterioso alquimista espanhol que se mudou para o México no século XVII. O sujeito teria conseguido construir um artefato de ouro capaz de garantir vida eterna a quem o utilizasse. Em 1937, o desmoronamento de um prédio teria finalmente dado cabo do alquimista, enquanto o artefato acabou sendo dado como perdido.

A ação do filme, porém, logo salta para os dias atuais, na Cidade do México. Um dia, um jovem desconhecido deixa na loja do antiquário Jesus Gris (Federicco Lupi) a estátua de um arcanjo. Durante uma brincadeira com a neta Aurora (Tamara Shanath), ele encontra um escaravelho dourado na base da estátua. Ao ser manipulada, a peça de metal libera garras que se prendem à mão do homem e o ferem profundamente (a cena é similar à abertura de “Hellraiser”). Depois, ao mesmo tempo em que começa a sentir alterações físicas, como uma sede que não passa e vontade de comer carne crua, ele tem que lidar com os donos de uma metalúrgica que sabem da existência do artefato e o querem comprar de qualquer jeito.

Um dos detalhes que chamam a atenção de imediato é o grande cuidado visual com que a película foi construída. O fotógrafo Guillermo Navarro (que faria “Jackie Brown” com Quentin Tarantino) revela habilidade, ao compor enquadramentos bem pouco comuns, usando com discrição e criatividade os tradicionais plongées/contra-plongées (ou seja, imagens que focalizam os personagens de cima para baixo e vice-versa). As imagens também capricham na utilização de cores fortes.

Há cenários sombrios e esquisitos, como o salão asséptico em que vive o cruel Dieter de la Guardia (Claudio Brook), repleto de animais mortos em jarros de vidro cheios de formol. O trabalho de maquiagem – os vampiros perdem a pele como cobras e têm um visual pálido, com a pele quase azulada – é muito bem feito. Enfim, para uma produção de baixo orçamento, “Cronos” tem um visual bem mais refinado do que se poderia esperar.

Quanto ao enredo, deve ser dito que os princípios gerais da tese de Guillermo del Toro ficam bem menos interessantes quando o diretor/roteirista desce ao nível dos detalhes. Em determinado momento, por exemplo, é explicado que dentro do escaravelho de ouro vive um inseto imortal capaz de se alimentar do sangue de humanos e, em troca, dar-lhes vida eterna. Del Toro chega ao cúmulo de mostrar, em algumas seqüências, o mecanismo interno do besouro de metal. Dessa forma, a idéia de que o vampirismo tenha nascido de experiências alquimistas perde força, uma vez que a natureza do inseto é obviamente sobrenatural. O filme não explica de onde ele viria.

Por outro lado, existe um senso de humor mórbido que cai muito bem ao trabalho. Ele fica evidente quando observamos os nomes dos personagens. O protagonista, que como todo bom vampiro deve passar por uma ressurreição, se chama Jesus. O guarda-costas e sobrinho de Dieter, um homem narcisista e violento que tem obsessão por cirurgias plásticas (e ele sempre é atingido no nariz pelas pessoas que conhecem esse ponto fraco), tem o nome de Angel. A neta de Jesus, a quem o antiquário dedica um genuíno amor de avô, é chamada de Aurora. Difícil acreditar que tudo isso seja mera coincidência.

O filme também tem pelo menos duas seqüências brilhantes que unem horror e comédia de modo muito original. A primeira se passa em uma festa de Ano Novo, quando o antiquário descobre finalmente a atração hipnótica que o sangue humano passou a exercer nele. A outra ocorre durante uma autópsia. Vale lembrar que as autópsias, assim como a estátua do arcanjo e os fetos dentro de jarros de formol, são elementos visuais recorrentes dentro dos filmes de Guillermo del Toro, como “Hellboy” e “A Espinha do Diabo”.

O filme jamais foi lançado no Brasil, seja em DVD ou em formato VHS. Em outubro de 2003, ganhou uma boa edição norte-americana, pela Lions Gate, que inclui dois comentários em áudio (um deles do diretor), dois documentários e duas galerias de imagens, sendo uma de fotos e outra de arte (desenhos, pôsteres).

– Cronos (México, 1993)
Direção: Guillermo del Toro
Elenco: Federicco Luppi, Ron Perlman, Claudio Brook, Tamara Shanath
Duração: 94 minutos

2 comentários em “Cronos

  1. Pergunta curta, Edu, mas a resposta… teria que escrever uma tese sobre isso. Em essência, acho que tem a ver com o público nacional, que é relativamente pequeno (só 16 milhões de brasileiros vão ao cinema) e quase não assiste a filmes com esse perfil.

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