Amor É Cego, O

[rating:3]

Desde o surgimento do satírico grupo inglês Monty Phyton, na década de 1970, a comédia vive dando saltos para cima na escala do politicamente incorreto. Aos poucos, as piadas vão ficando mais e mais escrachadas. Depois do trio Zucker-Abrahams-Zucker (“Corra Que a Polícia Vem Aí”), os irmãos Farrelly viraram os grandes nomes do gênero. Depois de fazer um tremendo e inesperado sucesso com “Quem Vai Ficar Com Mary?”, eles começaram a dar sinais de estagnação em “Eu, Eu Mesmo e Irene”. No recente “O Amor é Cego”, a dupla repete muitas piadas, dribla outras e acaba ficando dentro da média.

“O Amor é Cego” é um filminho (no bom sentido) despretensioso, simpático e, pasme, romântico. Sim, a dupla de diretores esconde um espírito carinhoso improvável, por trás de um arsenal de piadas grosseiras que fariam um padre (novamente no bom sentido) corar. O longa, estrelado pela bela Gwyneth Paltrow e pelo gorducho e engraçado Jack Black (o vendedor de discos maluco de “Alta Fidelidade”), não é uma metralhadoras de piadas como o antecessor “Quem Vai Ficar com Mary?”, mas funciona bem como comédia romântica torta.

O roteiro do longa, segundo os irmãos cineastas explicaram ao Cine Repórter em entrevista realizada em fevereiro de 2002, quando estiveram no Brasil, nasceu de uma experiência pessoal de Peter Farrelly. Ele dividia um apartamento em Rhode Island (EUA) com um amigo que, por sua vez, conhecia bem um cego. O deficiente, Sean Moynihan, vivia escrevendo cartas com histórias engraçadas sobre encontros frustrados com mulheres (cuja beleza física, óbvio, ele desconhecia). Peter convenceu Moynihan a escrever um texto, ajustou-o para a linguagem satírica, chamou o irmão e a equipe que sempre trabalha com eles e pronto, fez um filme.

O longa mantém a coerência estilística dos Farrelly. Todo o trabalho técnico – som, trilha sonora, iluminação, direção de arte, fotografia, edição e por aí vai – é relegado a segundo plano e feito a toque de caixa, sem qualquer capricho. Não há a menor sofisticação na composição dos planos, na construção das cenas e seqüências, na criação dos personagens. Os caras costumam usar as casas dos amigos como locações e as ruas dos bairros onde vivem para as cenas externas; nos filmes dos Farrelly, importam menos os detalhes técnicos e mais as piadas. Nesse longa não foi diferente. A história narra o encontro de Hal (Black) e Rosemary (Paltrow, sob toneladas de maquiagem que a transformam numa gorda de quase 200 quilos). Tudo normal, não fosse um detalhe: Hal é o maior galinha da paróquia, só se interessa por meninas lindas, mas acaba de ser hipnotizado por um guru de auto-ajuda e vê a garota como se ela fosse um arraso.

A situação surreal rende um batalhão de piadas que poderiam soar ofensivas nas mãos de cineastas menos habilidosos, mas os Farrelly fazem tudo com tanta convicção e firmeza que a gente ri e espera a próxima gracinha sem problemas. A maior ironia é que o filme pretende ser uma crítica às pessoas que dão importância exagerada à aparência física. Objetivo cumprido – e, de quebra, são gozados também os politicamente corretos que varrem a sujeira para baixo do tapete, fingindo que são cordiais sem sê-lo de verdade. Favor não confundir os filmes dos Farrelly com besteróis como “Todo Mundo Em Pânico” ou idiotices que teimam em contar as mesmas piadas, apenas tornando-as mais nojentas. Esse filme faz rir e tem uma despretensão cativante.

– O Amor É Cego (Shallow Hal, EUA, 2001)
Direção: Peter e Bobby Farrelly
Elenco: Jack Black, Gwyneth Paltrow, Jason Alexander, Joe Viterelli
Duração: 113 minutos

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